A regulamentação de doações eleitorais de pessoas físicas por meio de vaquinhas está movimentando o mercado de aplicativos e plataformas que promovem financiamentos coletivos há anos no país, mas essa nova forma de arrecadação pode enfrentar dificuldades se as empresas que fazem a interface entre doadores e as operadoras de cartões de crédito não participarem dessa engrenagem.
A relação entre essas duas partes nas eleições passadas foi sempre tensa e, por vezes, impediu que os candidatos que apostavam nas doações de pessoas físicas, antes disso ser a regra, de arrecadarem.
Felipe Caruso, que é consultor de financiamento coletivo e comandou a arrecadação de recursos para a campanha a prefeito do deputado Marcelo Freixo (PSOL) em 2016, conta o que ouvia das empresas que faziam a conexão com os meios de pagamento quando procurava um parceiro para a “vaquinha” do Freixo.
— O que a gente ouvia é que eles não trabalhavam com lavagem de dinheiro, crime organizado, tráfico de drogas e política — conta.
Freixo arrecadou R$ 1,8 milhão em 2016, com 14 mil apoiadores, quando a doação de empresas já estava proibida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Um recorde de arrecadação em todas as campanhas já realizadas no país. Para se ter uma ideia da grandeza do feito, o valor representa metade do que todos os cerca de meio milhão de candidatos em todo pais arrecadou.
Mas há um fator que explica parte do sucesso da campanha do candidato do PSOL. Caruso foi o único que conseguiu fechar um contrato com uma intermediadora financeira, a Iugu, desde o início da campanha em 15 de agosto daquele ano.
— Ninguém queria, nem os parceiros tradicionais do Catarse (plataforma usada na campanha de 2016 pela campanha do PSOL). A Cielo também não queria. E a Iugu entrou porque não entendeu o que estava acontecendo. No meio da campanha eles se tocaram e aí a gente falou: calma, já está rolando, sair agora vai ser pior. E eles aceitaram continuar —.conta Caruso.
Mesma sorte não teve a Guest, que também trabalha com financiamento eleitoral por meio de doações de pessoa física desde 2010. Segundo o sócio-diretor da empresa, Leandro Ascenção, se o Catarse não tivesse conseguido fechar com a Iugu a campanha de Freixo teria fracassado como a dos outros candidatos.
— Em 2016, os candidatos queriam arrecadar e chegamos a procurar todas as operadoras de cartão de crédito, em conversas ou por e-mail. Nós acreditávamos que tínhamos uma parceria com a Cielo. Mas não. Ela só entrou forçada, 15 dias antes de terminar a eleição. No final da campanha, um candidato conseguiu se inscrever no PagSeguro e aí todos foram lá — conta Ascenção.
Para ele, a legislação deveria ter obrigado as intermediadoras, que cobram as taxas de serviço de cada doação, a atender os políticos como os bancos, que têm que abrir contas de pessoa jurídica para as candidaturas em até três dias e não podem cobrar tarifas dos candidatos.
O negócio de vaquinhas virtuais no Brasil tem crescido ano a ano e estima-se que movimente mais de R$ 60 milhões ao ano. A expectativa é que nesse ano esse valor aumente muito por causa das eleições.
Até pelas dificuldades experimentadas em outros anos, o Congresso aprovou mudanças na Lei das Eleições para tentar garantir que as empresas de intermediação financeira não barrem doações eleitorais neste ano.
O novo texto da lei diz que “as instituições financeiras e de pagamento não poderão recusar a utilização de cartões de débito e de crédito como meio de doações eleitorais de pessoas físicas”.
A determinação, porém, ainda deixa dúvidas em empresários que vão novamente o serviço neste ano. Ascenção, por exemplo, lamenta que não há uma previsão de tempo para que essas empresas aceitem o pedido dos políticos para intermediar doações eleitorais.
“O Globo” procurou as principais empresas do setor, entre elas a Rede, a GetNet e a PagSeguro. A única operadora do mercado que comentou a nova determinação foi a Cielo, que já participou de outras eleições, informando que cumprirá as determinações da Justiça Eleitoral, sem dar mais detalhes.
A Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), que representa o setor, disse que está “analisando junto às suas associadas o dispositivo regulatório publicado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) referente à arrecadação para campanhas eleitorais, sobretudo no que diz respeito às doações por meio de cartão de crédito e cartão de débito, e se manifestará em momento oportuno”.
REGRAS
Pelas regras do financiamento coletivo, as empresas podem receber doações para pré-candidatos, antes mesmo da emissão do registro da candidatura, a partir de 15 de maio. O político, porém, só pode usar os recursos após pedir o registro na Justiça Eleitoral. Até lá, o dinheiro fica numa espécie de poupança, sob responsabilidade da empresa que arrecada os recursos. Caso o político não concorra, um contrato entre ele e a empresa determinará as condições para devolução da doação para o eleitor.
As empresas que farão a arrecadação terão que fazer um cadastro prévio no TSE para operar durante as eleições até o final de abril. Na fase de arrecadação, elas devem divulgar lista de doadores e quantias doadas e encaminhar essas informações à Justiça Eleitoral. Essa é uma das vantagens do novo modelo de arrecadação porque vai dar maior transparência para as doações.
OTIMISTAS
Apesar do receio sobre a atuação das intermediadoras, o mercado das plataformas de financiamento coletivo e de ferramentas de arrecadação eleitoral está a pleno vapor.
O Voto Legal, plataforma específica de arrecadação eleitoral, que em 2016 atendeu a 131 candidatos, de 27 partidos, está preparado para a maior operação de todas as campanhas e já definiu até o modelo de negócios.
A plataforma cobrará uma taxa de inscrição do candidato de R$ 495,00, que poderá usar a plataforma para arrecadar por toda a campanha. No Vakinha, maior canal de financiamento coletivo do país, o político terá que desembolsar uma parte do que arrecadou como taxa de intermediação. Hoje essa taxa é de 6,4%, mais uma cobrança de R$ 0,50 que é repassado às instituições financeiras que operacionalizarão a transação — as operadoras de cartão de crédito ou empresas emissoras de boletos bancários.
Tiago Rondon, desenvolvedor do Voto Legal, conta que em 2016 eles arrecadaram mais de R$ 6 milhões para as 131 candidaturas, mas foram procurados por mais políticos. À época, os candidatos pagaram R$ 99 pelo uso da plataforma.
— Na época, mais de 800 candidatos chegaram a nos procurar, mas 131 fecharam um contrato. Havia muita resistência pelo sistema de transparência que adotamos. Cerca de um terço dos políticos que fecharam conosco ainda resistiam à transparência do valor da doação e dos nomes dos doadores — contou.
O Vakinha já montou uma página para cadastrar candidatos interessados em pedir financiamento coletivo por meio da sua ferramenta, mas ainda estão estudando a viabilidade técnica para ofertar o serviço.
Mesmo ainda cético, o sócio-diretor da Guest, também disse que há 90% de chances da empresa participar da arrecadação eleitoral, mas ainda não sabe quanto cobrará pelo ferramenta na campanha. O modelo será semelhante ao do Voto Legal.
Outra plataforma que estará disponível é a Benfeitoria. Mas a empresa não pretende atender a todos os candidatos. Murilo Farah, cofundador do serviço, explica que o modelo de negócios deles é um pouco diferente, porque oferecem uma consultoria para o cliente e não apenas a plataforma de arrecadação e o candidato poderá arbitrar quando pagará pelo pacote negociado.
Caruso, que teve sucesso na arrecadação de Freixo, disse que neste ano pretende trabalhar para uma candidatura presidencial, mas não quis revelar com quem está negociando. Segundo ele, o modelo será baseado num percentual que o candidato pagará pelo total das doações, mas ainda não há detalhes do preço.
Ele alerta, porém, que para ter sucesso na arrecadação o candidato tem que fazer duas campanhas: a política e a da financiamento.
— Apesar de conectadas, elas são diferentes. E não adianta abrir muitas vaquinhas, isso tira o foco da arrecadação — ensina.
Fonte: “O Globo”