Em meio à maior crise sanitária da história, por conta da pandemia do novo Coronavírus, um tema voltou ao centro do debate: como gastar dinheiro público com partidos políticos e campanhas eleitorais em meio à tentativa de superação deste grave problema? Faz sentido despejar verba pública com praguinhas, santinhos, adesivos e carros de som enquanto milhares de pessoas estão desesperadas, sem emprego e correndo risco de morte? E qual o melhor modelo para reduzir o custo das campanhas sem descambar para desvios de caixa 2 e corrupção, como se viu no passado? Para responder estas perguntas e entender melhor sobre o assunto, entrevistamos Ivan Ervolino, Doutor em ciência política. Ouça abaixo!
Ervolino destacou que o financiamento público é um dos temas mais polêmicos e delicados. O especialista do Millenium explicou que, na teoria, o objetivo do financiamento público era garantir maior transparência. Isso porque o modelo anterior, que permitia doações de empresas privadas, resultou em grandes esquemas de caixa dois, causando distorções e dando margem para a corrupção. Por conta disso, em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela inconstitucionalidade das doações por empresas de direito privado. “O porém do financiamento público é ver um país como o Brasil, que tem dificuldades orçamentárias de diversas ordens e em diversos temas. O questionamento que vem, para o cidadão, é esse: porque não pegar este dinheiro e aplicar em outro lugar? Essa é a grande questão”, analisou.
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Questionado sobre a pertinência dos gastos com campanha eleitoral em meio à pandemia do novo Coronavírus, Ivan Ervolino destacou que, apesar de o dinheiro ter sido destinado para as eleições no Orçamento, o momento atual exige ações extraordinárias. “Estamos em um momento muito particular e eu acho que deveria haver um movimento da classe política de pensar em maneiras de destinar um pouco deste dinheiro no combate e tudo que orbita ao Coronavírus – saúde, emprego e renda, setores que impactam diretamente”, opinou.
O co-fundador da plataforma digital destacou que o financiamento público tem outros pontos que geram desgastes, como a possibilidade do aumento das verbas ao longo do ano. Por outro lado, o financiamento privado também tem problemas – nos últimos anos, o modelo gerou “a junção entre os legisladores e as instituições privadas, gerando dependência do parlamentar à agenda de determinado setor”, como descreveu Ervolino. Neste cenário, qual o melhor caminho? Na opinião de Ervolino, a grande questão é cobrar maior transparência. “A transparência ajudaria muito, ter uma campanha menos duvidosa. Em qualquer meio vai existir questionamento. Precisamos entender qual o caminho que o dinheiro faz para chegar aos parlamentares. Isso é um fator essencial na democracia”, disse.
Outro fator que encarece muito as campanhas políticas no Brasil é o próprio modelo de eleição, especialmente quando se fala de deputados estaduais e federais. Hoje, um candidato a deputado precisa fazer campanha no Estado inteiro para obter o mínimo necessário para se eleger, e isso obriga o cidadão a fazer campanha em locais onde ele nem mesmo conhece. Uma alternativa é o voto distrital. O Estado seria dividido em distritos pelo número de cadeiras, e o candidato faria campanha e seria votado apenas em sua área de influência. O eleitor, por sua vez, teria maiores condições de cobrar do eleito, uma vez que ele saberia que o voto foi, de fato, para o seu candidato. O co-fundador da Sigalei disse que colocar isso em prática seria interessante. “Fazer uma alteração para realizar uma eleição nesses moldes, para ver se realmente os estudos e as pesquisas se demonstram certas. Há muita especulação, e o que falta é pegar e fazer um debate amplo”, disse, defendendo discussões sobre os modelos disponíveis.
Financiamentos coletivos são alternativa
Além da contribuição individual, a legislação eleitoral permite um mecanismo para o custeio das campanhas que foge da necessidade do uso de recursos públicos. É o “crowdfunding”, ou a popular “vaquinha”. Funciona da seguinte forma: grupos de apoiadores de determinado candidato ou partido podem criar o financiamento coletivo, e essa “conta” pode ser utilizada durante a campanha. A principal diferença é que, com a vaquinha, você escolhe se deseja ou não enviar o recurso, e para quem enviar. Uma saída democrática, ao contrário do financiamento público – quando o seu dinheiro vai para todas as campanhas, mesmo para aquelas com as quais você não tem nenhuma convergência.
O modelo, entretanto, ainda é pouco utilizado no país. De acordo com Ivan Ervolino, isso acontece porque o Brasil ainda não tem uma cultura para o financiamento da democracia por parte do cidadão comum. “É uma falta de costume. As pessoas precisam entender a lógica desse mecanismo. Quanto mais o tempo passar, esse instrumento vai ficar mais palatável. Além disso, há o desinteresse das pessoas por política. Isso acaba gerando um ciclo vicioso, pois, quanto menos as pessoas se interessam por política, menos elas fiscalizam; desta forma, cada vez o ambiente fica mais propício para pessoas que tenham práticas pouco republicanas”, opinou.
💡 Dica do Millenium: Pense fora da caixinha!
Você já parou para pensar que, com o financiamento público, a população é obrigada a sustentar partidos com seus impostos e, muitas vezes, sequer concordar com a ideologia defendida por aquela instituição? Partidos políticos são instituições privadas e, como tal, deveriam pensar em sua própria forma de auto sobrevivência, sem que a mesma dependa do dinheiro público. Buscar apoio entre os indivíduos que acreditam no ideal de sua existência, por exemplo, é um caminho justo. Mas, para que seja possível segui-lo, precisamos ingressar em um debate eficaz sobre o preço das campanhas no Brasil e as formas atuais de financiamento. Transparência, aliás, é um dos pilares fundamentais neste processo. Pense fora da caixinha!