Avisamos, cansamos de avisar, repetimos, frisamos, gritamos, alertamos e berramos, desde meados de 2008, que o que está acontecendo com a economia brasileira hoje era inexoravelmente certo, assim como o logaritmo de 1 em qualquer base é 0 e como beber em excesso causa embriaguez e comer exageradamente dá indigestão. Não poucos achavam que estávamos exagerando, ou que prenunciávamos a futura catástrofe porque “não gostamos do PT” ou até porque estávamos abandonando os conhecimentos técnicos pela “ideologia liberal” ou todos esses pretensos motivos juntos. Mas – e os dados e fatos estão aí para demonstrar – eu e diversos colegas economistas seguidores da tradição da Escola Austríaca estávamos absolutamente corretos em nossas avaliações!
A manchete do Estado de São Paulo de hoje, 2 de março, é fulminante: “Mercado projeta retração de 0,58% do PIB em 2015, a maior queda em 25 anos” (em 1990, o PIB “fechou” em -4,35%, como decorrência do legado de Sarney e das maluquices daquela senhora que Collor escolheu para comandar a economia). E complementa o jornal: “para a inflação, a projeção foi elevada para 7,47%”. A avaliação é do Relatório de Mercado Focus que, como se sabe, é divulgado pelo Banco Central com base em opiniões colhidas nos mercados financeiros.
Surpresa? Sinceramente, nenhuma! Heterodoxia em política econômica e fracasso na economia do mundo real são inseparáveis: a primeira sempre determina, mais cedo ou mais tarde, o segundo. E até que demorou muito para essa verdadeira hecatombe vir à tona. Demorou porque, sempre por motivos eleitoreiros, as equipes econômicas de Lula (especialmente desde 2008) e, principalmente – e com uma distinção suma cum laude em termos de incompetência – Guido Mantega e sua companheirada heterodoxa usaram, abusaram e exorbitaram na produção de equívocos e enganaram a boa teoria econômica, estuprando-a e avacalhando-a seguidamente, com obstinação e morbidez impressionantes.
A heterodoxia econômica, então, – que tanto mal causou ao país até o início dos anos 90 – e que pensávamos estar sepultada -, reapareceu sob a forma de um fantasma que está hoje aterrorizando os descrentes e incautos de ontem, que são os surpresos deste momento.
Essas pessoas agora estão vendo e sentindo na pele a volta célere da inflação, o crescimento econômico ao estilo “rabo de cavalo”, o dólar, as tarifas de concessionárias e outros preços que foram mantidos artificialmente estáveis (o eufemismo para esse crime contra a economia é “preços administrados”), por razões políticas, subirem como foguetes, os preços determinados pelos mercados também subirem, o desemprego aumentar, o pior desempenho da balança comercial desde 1980, dólar a R$ 2,89 hoje, o referido relatório Focus revisar para baixo por nove vezes consecutivas o PIB de 2015, o mesmo acontecendo com a trajetória esperada dos tais “preços administrados”, só que, neste caso, para cima… Greve de caminhoneiros, que não suportam mais os custos a eles impostos pelo Estado glutão, passeatas pelo impeachment da presidente programadas, respostas irresponsáveis do ex-presidente convocando o exército do Stedile, rebelião do PMDB no Congresso contra o governo, incerteza, impaciência, preocupações e interrogações quanto ao futuro. Somemos a isso os valores extraordinários extraídos dos cidadãos e empresas pela corrupção, cujo carro chefe, até aqui, é a impressionante relação de crimes cometidos por diretores daquela empresa de petróleo que seria o “orgulho dos brasileiros” e por doleiros e diretores de empreiteiras ligadas a ela.
Todo esse quadro preocupante é consequência, a meu ver, de três elementos: o decrépito e comatoso socialismo petista, o projeto do governo de perpetuar-se no poder a qualquer preço e a política econômica medíocre de Mantega, que se encaixava perfeitamente nesses dois motivos.
[su_quote]O ambiente está conturbado: o governo acuado de um lado pela situação lamentável a que levou a economia e de outro pelas acusações de corrupção[/su_quote]
Após mentir sem o menor pudor na campanha presidencial do ano passado e já na primeira semana depois da divulgação do resultado das eleições, o que fez a presidente reeleita à custa do desrespeito à verdade e do programa Bolsa Família? Simplesmente – com despudor e aquele tom autoritário que lhe é característico – admitiu alguns problemas, decretou os primeiros reajustes nos “preços administrados” e sinalizou que seu futuro ministro da Fazenda seria alguém que viria para fazer um “ajuste fiscal”…
Passaram-se apenas quatro meses, a cortina caiu, o que – repito – era absolutamente previsível e o real estado de nossa economia foi desnudado. O país vive hoje, infelizmente, um período de tensões. Os incautos do passado que ajudaram a reeleger a presidente começaram, um a um, a se sentirem ludibriados; os inocentes úteis de ontem perceberam aos poucos que haviam sido iludidos e os beneficiários dos bolsa-isso-bolsa-aquilo, que sua dignidade não depende de esmolas, mas de oportunidades de trabalho, algo que o governo, simplesmente, foi tolhendo com o agigantamento do Estado alimentado pelas trapalhadas de Mantega.
Veio o novo ministro, pretenso salvador da pátria, e o que fez? Premido em parte por injunções políticas, mas também por concepções equivocadas a respeito da necessidade de reduzir fortemente o tamanho e a influência do Estado em nossas vidas, cortou pensões e mexeu em “direitos trabalhistas” que o governo antes jurava de mãos juntas que eram intocáveis, onerou empresas e pessoas físicas com mais impostos e ameaça colocar mais peso na canga do Estado, tornando o jugo impossível para os brasileiros que trabalham e produzem. Cortes de gastos públicos? Extinção de ministérios e programas inúteis? Ora, não podemos nos esquecer de que os que estão mandando no país são socialistas e acreditam nessas chuvas de “carochinhas” serôdias. A expectativa, nesse campo, é de que, se o governo cortar meia dúzia de centavos em seus gastos, já será de bom tamanho.
O ambiente está conturbado: o governo acuado de um lado pela situação lamentável a que levou a economia e de outro pelas acusações de corrupção; o Congresso sinalizando que não continuará a dizer amém aos descalabros palacianos; os empresários e empreendedores sufocados e manifestando crescente insatisfação e uma parcela substancial da população sentindo-se ludibriada.
Fala-se em impeachment da presidente, mas, sinceramente, não creio que essa possibilidade seria a solução, primeiro porque um eventual impedimento exigiria provas de que a presidente participou ativamente das atividades de corrupção, ou de que tinha pleno conhecimento delas – o que, a essa altura, acredito que seria leviano afirmar e exigiria provas. E, segundo, porque, no caso de se concretizar o impeachment, quem assumiria em seu lugar? O PMDB – o mesmo que fez os planos Cruzado, Bresser e Verão e que é um verdadeiro saco de gatos? Não, penso que a presidente deve permanecer no cargo. Tal como diz o velho ditado, quem pariu Mateus que o embale. Que pague com o preço da impopularidade, minuto a minuto, até o último dia de 2018, quando entregará o cargo a seu sucessor. Quem semeia ventos colhe tempestades e nosso povo, até lá, talvez aprenda, pelo sofrimento, a não votar em socialistas e demagogos. A tempestade está aí e nem o maior estadista de toda a história, caso assumisse a presidência do país hoje, poderia aplacá-la com sua simples presença. Os protestos, contudo, devem continuar, tal como o PT fazia intensamente, desde 1980, quando foi fundado, até o final de 2002. Agora, é tempo de ouvirem do povo: ipse venena bibas, como na oração de São Bento. Enfim, a cortina desceu e a máscara caiu.
Escrevo essas linhas com tristeza, com grande tristeza, mas não posso deixar de exprimir que não foi por falta de aviso.
Fonte: site do Ubiratan Iorio, 2/3/2015
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