O segundo turno da eleição presidencial é imprevisível. Por isto mesmo, recomenda-se cautela, devendo-se, assim, evitar qualquer tipo de entusiasmo, para um lado ou para outro. Os gregos chamavam tal atitude de phronesis, que normalmente se traduz por “prudência” ou “cautela”. Ela significa orientar-se com cuidado na imprevisibilidade, na particularidade, das coisas do mundo.
Neste contexto, deve-se ter a maior prudência na reação à divulgação das pesquisas de opinião, pois os institutos erraram e feio. Há problemas evidentes de metodologia ou de execução que ficaram flagrantes. Os números se dissociaram da realidade. O argumento, por exemplo, do diretor de um dos institutos mais importantes, de que os institutos medem apenas tendências é para incautos ou desavisados. Se assim fosse, não deveriam alardear que a sua margem de acerto se faz, por exemplo, em um universo de duas mil entrevistas, com dois pontos para mais ou para menos. Tal margem de erro, nem ela correspondeu à realidade.
A observação se faz necessária, pois os parâmetros de orientação a partir de pesquisas perderam completamente a credibilidade. Seus números devem ser vistos com cuidado. Deixaram de constatar mudanças importantes que estavam ocorrendo. Seria necessário, isto sim, um reconhecimento dos erros, uma pesquisa séria sobre por que ocorreram, e não tentativas reiteradas de mascarar a realidade.
Poderíamos considerar os erros em pesquisas eleitorais e de opinião como sendo de duas ordens, a saber: erros amostrais e erros não amostrais.
Erros amostrais
São os erros originados do desenho da amostra da pesquisa. A amostra, vale lembrar, precisa ser representativa da população que está sendo pesquisada. No Brasil, por exemplo, para a construção da amostra das pesquisas eleitorais utilizam-se cotas. As entrevistas seguem critérios de seleção de entrevistados como sexo, faixa etária, escolaridade, região e renda familiar mensal.
Um tipo de erro amostral seria, por exemplo, atribuir um maior peso aos entrevistados da Região Sudeste do país. Se uma amostra correta, que seja representativa da população, sinaliza que se precisa aplicar 500 entrevistas nessa região, então se determinado instituto aplicar 550 entrevistas isso significa que a amostra torna-se desproporcional à população pesquisada, redundando em um erro.
Para evitar erros amostrais é preciso que um estatístico produza a amostra baseando-se em dados estatísticos oficiais, dentre os quais os resultados do Censo de 2010 e da PNAD mais recente.
Erros não amostrais
São erros que poderíamos denominar de execução. Vejamos alguns deles:
Questões enunciadas de forma errada, seja por apresentarem dúvidas sobre sua interpretação, seja por serem tendenciosas em relação às respostas possíveis.
A ordem da pergunta dos questionários também poderá contaminar a respostas dos entrevistados.
Pesquisadores mal treinados, sem experiência e ávidos por um “trabalho extra” em períodos eleitorais. Institutos precisam contratar pesquisadores e não “perguntadores”.
A inflação do mercado de pesquisas em períodos eleitorais, com escassez de mão de obra qualificada, faz com que os institutos contratem pessoas que não possuem o mínimo domínio sobre os procedimentos metodológicos necessários para a aplicação de um questionário de pesquisa eleitoral.
No período eleitoral os institutos, além de trabalhar com falta de pesquisadores qualificados, se deparam com a escassez de tempo. Quase três mil entrevistas — às vezes, muito mais — precisam ser realizadas em dois dias — ou, ainda, em até um dia e meio. Trata-se, além de uma enorme operação logística, de uma grande chance para que as fraudes ocorram. Acossados pelo tempo, os próprios pesquisadores, sem encontrar o perfil desejado, podem muito bem “inventar” questionários.
A hipótese de que questionários sejam inventados é extremamente razoável, uma vez que não haveria tempo necessário para realizar a conferência de, conforme sustenta a literatura especializada, um mínimo de 20% dos questionários aplicados.
Essa conferência pode ser realizada in loco, por fiscais, ou por telefone, sendo esta última modalidade a mais comum. De posse dos questionários, os conferencistas ligam para confirmar se a pessoa foi mesmo entrevistada e se suas informações sobre perfil socioeconômico são coerentes com o que está declarado no questionário.
A conferência é um processo demorado porque, em muitos casos, é preciso tentar contato por várias vezes com o entrevistado selecionado para conferência. Não é, poderíamos dizer, o trabalho de uma tarde ou um dia. É algo que leva tempo, conferindo às pesquisas uma maior confiabilidade e uma maior certeza de que fraudes não ocorreram durante o processo de aplicação dos questionários.
Em períodos “normais”, esses erros de execução tendem a ser menores, pois há mais tempo para realizar as pesquisas, empreender as conferências e, ainda, treinar novos pesquisadores.
Mas durante o período eleitoral é diferente. Há falta de tempo, escassez de mão de obra qualificada e urgência em divulgar os resultados. Essas variáveis fazem com que a qualidade das pesquisas eleitorais tenda a diminuir.
Por fim, uma nota: os eleitores também podem ser os “culpados” pelos erros, uma vez que sempre se mostra possível a mudança de opinião a partir de “ondas” que ocorrem, por exemplo, de um dia para outro. Contudo, as ondas quase se transformaram em verdadeiros tsunamis, dados os erros das pesquisas. Mas isso parece ser menos válido para os levantamentos de tipo boca de urna, em que o eleitor já votou.
Nada disto, contudo, deve servir de ensejo para que se estabeleça qualquer restrição no que diz respeito à divulgação de pesquisas. A censura deve — ou deveria — ser coisa do passado. Trata-se de um problema que o próprio mercado resolve, pois a perda de credibilidade dos institutos incide diretamente sobre eles. A sua perda de imagem é algo grave.
Fonte: O Globo, 20/10/2014.
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