*Por Henrique Meirelles
A eclosão da crise global gerou análises em setores importantes no Brasil de que ela significava a falência do sistema de livre mercado e a vitória definitiva do intervencionismo governamental não só via regulação, que era necessária, mas, também, via ação direta na economia, com aumento do gasto público para impulsionar a atividade e intervenção no sistema de preços, entre outras medidas.
Essa visão, porém, não prevaleceu nos EUA e no Reino Unido, epicentros da crise, que, sintomaticamente, se recuperam melhor que os países intervencionistas.
Nos EUA, a nova regulação dos mercados reduziu o risco de crédito dos bancos e limitou a intervenção governamental ao apertar o controle das agências de crédito imobiliário paraestatais. O Congresso aprovou ainda dura contenção de gastos do governo, que não levou ao temido abismo fiscal, pelo contrário.
A economia dos EUA cresceu a taxa anualizada de 4% no segundo trimestre, uma recuperação consistente, fundamentada pela maior solidez fiscal, pelos ajustes nas empresas e pela liberdade para empreender e inovar.
Já o Reino Unido elegeu um governo conservador. Ele promoveu forte contenção fiscal, reduziu os riscos do mercado e, nas palavras de seu ministro da Fazenda, George Osborne, é desavergonhadamente pró-negócios. Resultado: o país cresceu a taxa anualizada de 3,1% no segundo trimestre.
Enquanto isso, países com tradição intervencionista, como a Itália e a França, têm economias estagnadas e dificuldades de conciliar a postura de Estado forte com a necessidade de promover investimentos privados e mais empreendedorismo.
O entendimento claro do cenário global é fundamental quando discutimos os caminhos para a retomada do crescimento no Brasil. Aqui na região, países com forte ação intervencionista enfrentam desafios ainda maiores que o resto do mundo. O exemplo mais claro é a Argentina, ameaçada de recessão e de mais crise após a controvérsia do calote técnico, que deve aumentar suas dificuldades cambiais. Já Colômbia, Chile e Peru, com economias mais abertas, crescem a taxas saudáveis.
Importante notar que o maior risco da economia global hoje vem de uma possível ação governamental do Fed (o banco central dos EUA) no mercado, com manutenção de juros muito baixos e excesso de liquidez. Esperemos que o Fed não repita os erros vistos anteriormente.
Em resumo: com o passar dos anos e dos fatos, o quadro da economia global deu uma resposta suficientemente enfática às conclusões precipitadas de alguns analistas depois da crise 2007-2008. Precisamos tomar cuidado para não seguir o caminho de alguns “hermanos”.
Fonte: Folha de São Paulo, 3/8/2014
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