À saída de Weintraub soma-se o emudecimento gradativo da ala ideológica do governo (Salles, Araújo, Damares). O enfraquecimento dessa ala não implica maior instabilidade sistêmica do governo. Pelo contrário.
Ao rejeitar durante a campanha a barganha com partidos, o presidente havia atado as próprias mãos. O “palanque perpétuo” e a cacofonia eram a estratégia buscada para compensar a falta de base. Sua exacerbação levou ao enfrentamento com o STF, do qual a saída do ministro é consequência.
O principal indicador da mudança ocorrida é espacial, geográfico: “Até abril”, segundo o ministro da Secretaria de Governo, “nunca tinha conseguido reunir todos os líderes de partidos no Palácio do Planalto. Eles se encontravam na casa do Rodrigo Maia, presidente da Câmara. Agora mudou”. A barganha ganhou sede presidencial.
O testemunho do principal articulador do governo em relação ao fosso entre o Executivo e o Legislativo não podia ser mais eloquente, nem o método de trabalho mais insólito: “Tive de examinar o Diário Oficial e fiz alguns testes. Às vezes, mandava exonerar um funcionário que ocupava um cargo de comissão apenas para descobrir quem o havia indicado. No máximo, em 48 horas o parlamentar me ligava: ministro, aqui é o senador ou deputado fulano. O que houve? Põe de volta… Aí, eu sabia que o cargo era do fulano”.
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A queda do ministro coincide com a formação razoavelmente bem-sucedida de uma base parlamentar de sustentação: “Temos um quadro de quem vota e de quem não vota com o governo. Antes, um parlamentar vinha aqui sozinho e pleiteava um cargo. Eu via que ele votava com a gente e o atendia. Mas quantos votos ganhava? Apenas um. Agora, a negociação é com os partidos. A fidelidade é uma responsabilidade dos partidos. O senador Ciro Nogueira, presidente do PP, tem sessenta votos. Por isso, ele tem espaço no governo com o FNDE”.
O paradoxo é que um dos cenários possíveis pode ser mais governabilidade –e menor vulnerabilidade do Executivo em relação a impeachments–, embora em rota acelerada de perda de popularidade devido ao horror sanitário e à hecatombe econômica que virá. A aproximação com o Congresso tem custos e gera fraturas no bolsonarismo raiz (Weintraub foi o primeiro a reclamar da mudança no FNDE). É um cenário conhecido: “forte no Congresso, fraco fora dele”.
Mas há também a caixa de Pandora de Queiroz, que poderá levar a um cenário alternativo no qual o governo terá ainda mais incentivos para radicalizar no controle das instituições. O potencial conflitivo envolvido é alto. Se a popularidade presidencial sucumbir com revelações contundentes, o apoio congressual irá se desmanchar no ar.
Fonte: “Folha de São Paulo”, 22/6/2020