Em 1989, o termo “fim da história” apareceu num artigo de Francis Fukuyama.
O historiador americano se referia à vitória dos países democráticos sobre o comunismo soviético, prestes a ruir com a queda do Muro de Berlim. Três anos depois, ele publicaria um livro com o mesmo nome. Fukuyama, de 59 anos, revisou a ideia que lhe deu fama num recente artigo para a revista Foreign Affairs, sob o título “O futuro da história”. Nele, diz que as democracias liberais mais avançadas precisam rever o conceito de Estado de bem-estar social e que o capitalismo globalizado põe em risco as classes médias. Nesta entrevista a “Época”, Fukuyama afirma, porém, que não mudou de opinião: “Não há alternativas à democracia liberal”. Ele defende uma maior intervenção sobre o setor financeiro, diz que o modelo chinês não vai se sustentar e elogia a condução da economia brasileira.
Época – Em seu livro “O fim da história e o último homem”, de 1992, o senhor dera como definitivo o triunfo da democracia liberal e da economia de mercado sobre o socialismo real. O artigo na Foreign Affairs é uma revisão de suas convicções?
Francis Fukuyama – Não mudei de opinião. Não há alternativas à democracia liberal, e só ela pode levar à modernização da sociedade. É óbvio que muitos acontecimentos transformaram o mundo de 1990 para cá. O principal deles é o crescimento da China, que adota um sistema misto de economia aberta semicapitalista com política fechada comunista. Esse sistema tem levado a China longe em termos econômicos, mas a alternativa chinesa não é durável. O sistema chinês não pode se sustentar e é impossível de exportar. Outro acontecimento é a crise de governabilidade que afeta as democracias liberais e a confiança das pessoas.
Época – Que crise é essa?
Fukuyama – A verdadeira questão nas democracias do mundo hoje é lidar com problemas de longo prazo, como os deficits orçamentários e a alta das dívidas públicas e, ao mesmo tempo, combater a desigualdade econômica. Para combater esses males de modo certo e eficiente, é preciso mudar a forma como os países enxergam e mantêm o Estado do bem-estar social, cortar benefícios, mudar o modo de vida das pessoas. São decisões drásticas, que os políticos não gostam de tomar.
Época – A Europa parece ser o exemplo mais evidente de crise desse modelo. O declínio europeu é irreversível?
Fukuyama – Não, é totalmente reversível. A Europa não está em declínio. A União Europeia está numa enrascada feia, porque o modo como as instituições funcionam não lhes dá flexibilidade suficiente para lidar com uma crise desse porte. Mas o norte da Europa está em grande forma: Alemanha, Holanda, Escandinávia. Eles poderiam estar melhor, não fosse a crise. Mas passaram os últimos anos em bonança, desenvolvimento industrial inabalado, competitividade empresarial, índices de desemprego razoáveis, nada que chegue perto dos índices americanos ou do sul europeu. Não é possível falar da Europa como um todo. As regiões realmente problemáticas são Itália, Espanha e Grécia, onde há níveis surreais de corrupção, clientelismo e ineficácia fiscal. Isso não é a Europa toda.
Época – Qual é o limite do modelo chinês?
Fukuyama – A democracia vai triunfar na China, em algum momento, por inúmeros motivos. Primeiro, o modelo econômico chinês é excessivamente dependente de exportações, de um mercado consumidor sempre em crescimento, que consuma cada vez mais. Esse tipo de mercado está chegando ao fim, e os chineses encontrarão mercados consumidores tão sedentos como encontraram nos últimos 20 anos. A crise econômica que se alastra pelo mundo prova isso. Tentar ajustar essa demanda externa pela demanda interna é complicado porque há atores poderosos na China e no resto do mundo que querem manter a situação como está. O modelo político é ainda mais problemático porque não fornece mecanismos de controle confiáveis para os governantes. Quando há uma briga intestina entre as lideranças do Partido Comunista, como ocorre hoje, é extremamente desestabilizador. A China hoje passa por uma série de crises políticas sistêmicas que não víamos desde 1989 porque há um duelo pelo poder dentro do partido.
Época – O capitalismo de Estado é o novo modelo de sucesso?
Fukuyama – O capitalismo de Estado é uma armadilha. São inúmeras as ameaças que ele contém. Dá ao Estado demasiado poder em relação à regulamentação econômica. Em geral, isso atrapalha os negócios e cria dificuldades para as empresas. O Estado pode usar a economia de maneiras não democráticas, como maquiar os números para manipular a opinião pública, ou intervir em setores essenciais da economia, como energia e agricultura, para iludir a população. O principal problema é a corrupção. Quando há um Estado inchado, é impossível controlar e fiscalizar todos os seus setores. Isso permite que os corruptos usem o sistema em benefício próprio, com ação de lobistas, pagamento de propinas e práticas clientelistas. Mas a condução de políticas de Estado para o desenvolvimento de um país pode ser extremamente eficaz, desde que você tenha as pessoas certas no setor público. No caso do Brasil e, em parte, da Índia, esse sucesso é evidente.
Época – O senhor diz em seu artigo que o capitalismo globalizado está erodindo a base social da classe média. Por quê?
Fukuyama – Não acho que o problema seja o capitalismo, mas sim a dificuldade de adaptação às novas tecnologias que impulsionaram a globalização nas duas últimas gerações. Com esse avanço, as máquinas conseguiram substituir empregados menos qualificados. Em alguns casos, substituíram-se até os empregados muito qualificados. O avançado processo de globalização aumentou a competitividade econômica e levou a uma diminuição dos empregos e à erosão dos salários dos trabalhadores das classes médias nos países desenvolvidos. Ao mesmo tempo, isso ajudou a estabelecer a democracia em países como Brasil, África do Sul, Índia. Nesses lugares, a classe média cresceu, e isso é uma ótima maneira de evitar a polarização entre as elites e os pobres. A globalização causou tudo isso. É óbvio que ela é inevitável. Não se trata de tentar interrompê-la, mas de adaptar-se às tecnologias de uma forma eficaz.
Época – O Brasil lhe parece um modelo de país emergente?
Fukuyama – O desempenho brasileiro tem sido impressionante desde os dois últimos ciclos presidenciais (de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva) e também agora, até a metade deste ciclo. A liderança política brasileira tem sido mais responsável, algo que poucas vezes foi. A estabilidade é maior, com políticas públicas mais sensíveis e corretas. Mesmo comparados aos Estados Unidos, os ajustes fiscais feitos pelo Brasil foram extremamente bons. É possível criticar algumas políticas industriais brasileiras, e o país precisa diversificar sua base econômica para não depender tanto das exportações. Mas acho que o Brasil tem se saído muito bem até aqui.
Época – O senhor acredita que os mercados financeiros precisem de uma regulação mais severa?
Fukuyama – Sem dúvida. Precisamos voltar ao sistema que tínhamos antes de 1990, quando havia restrições ao tamanho dos bancos, com uma série de regulamentações criadas depois da Grande Depressão, como o Glass-Steagall Act (lei aprovada pelos EUA em 1933 para regulamentar os ativos e investimentos bancários e controlar a especulação). Essas regras sumiram ao longo do tempo. O grande problema é quando surgem bancos gigantescos, grandes demais para quebrar, tão grandes que precisam de ajuda financeira do governo para não ir à falência. Bancos como Goldman Sachs e Bank of America. Enquanto eles forem tão grandes, é difícil resolver esse problema. No meio da crise de 2008, os Estados Unidos deveriam ter criado uma nova forma de Glass-Steagall Act, nacionalizado esses bancos gigantes, como Goldman Sachs ou Bank of America, e então fatiá-los em bancos menores. Limitar o tamanho que esses bancos podem ter. Aí não seria preciso regulá-los tanto, porque, se um banco pequeno quebra e sai de cena, não importa. Ele terá de conviver com seus próprios erros e seu comportamento ruim.
Fonte: revista Época
O aprimoramento democratido passa necessáriamente na reforma do desenvolvimento social capital e trabalho, sendo visível milhares de cidadãos, que ao chegar o final do mes não terem ganhos sufucientes para honrar compromissos de subsistência, quando mais dar dias melhores a seus filhos, o que se espera dos “políticos” aprimorarem as Leis com menos flexibilidade no ambito das sonegações, é notório a existência de uma parcela de cidadãos que não desejam o aperfeiçoamento das instituições tanto no ambito governamental como da iniciativa privada, pois esta parcela de cidadãos não consegue ou não tem boa vontade de trlhar novos caminhos,que em tempos inflacionários tinham alguma justificativa o que não pode ser admitido numa economia pluralista e estavel dos dias atuais, oxalá que Deus de entendimento com conhecimento com vontade política aos que são os detentores do capital para as devidas transformações, que se fazem necessárias.
Se precisa de reformas é porque não era o fim da história então né, quando ele escreveu aquele panfleto neoliberal?
O exemplo europeu e dos estados unidos com a crise economica, em que a extrema direita cresceu, com apoio liberal e conservador, mostram que a democracia depende de reformas constantes e avanço de direitos sociais e não são um fim abstrato. Os privilegiados do poder economico e político são inimigos da democracia.