O setor de serviços tem grande peso no PIB, 70% do valor adicionado (58% excluindo o comércio), sendo também o principal empregador, respondendo por 72% do emprego formal (50% excluindo o comércio). É um setor que demonstra grande resiliência, em parte devido à maior margem de manobra para administrar suas margens, posto que não sofre diretamente a concorrência internacional. No entanto, há sinais de enfraquecimento dos indicadores do setor. O último elo da cadeia produtiva começa a sentir e denunciar mais claramente a fraqueza da economia. Mau sinal para as próximas leituras de PIB e para o mercado de trabalho.
Os excessivos estímulos à demanda dos últimos anos geraram significativo descolamento do setor de serviços em relação à indústria de transformação, que é vulnerável ao “vazamento de demanda”, ou seja, ao aumento das importações. Assim, enquanto entre 2003-08 as taxas de crescimento anual médio de serviços e indústria de transformação eram próximas (4,1% e 3,2%, respectivamente), a partir de 2009 abriu-se um grande hiato entre elas (2,9% e 0,4%, respectivamente entre 2009-13), o que por sua vez reflete o descompasso entre o forte crescimento da demanda e o fraco desempenho da oferta na economia.
Umas das consequências do excesso de demanda foram as pressões salariais ocorridas, o que contribuiu para ampliar o descompasso dos setores. Ao contrário da indústria, que não consegue repassar plenamente aumento de custos aos preços finais, pela disciplina imposta pelo produto importado, o setor de serviços tem mais flexibilidade. O aumento do custo da mão-de-obra é mais facilmente repassado ao consumidor. Isso ajuda a explicar o diferencial de inflação entre produtos manufaturados (em torno de 4,5%) e serviços no IPCA (em torno de 8,5%) nos últimos anos.
Mas não é só isso que explica a inflação de serviços. Provavelmente ela foi potencializada pelos baixos ganhos de produtividade do setor, em contraste com o ocorrido na década passada quando a agenda de reformas microeconômicas do governo beneficiou particularmente os serviços, impulsionando a produtividade. Sem esse ingrediente, pressões de demanda acabam se traduzindo mais intensamente em inflação, que tem sido a marca dos últimos anos.
Ocorre que o encarecimento do setor de serviços tem consequências perversas importantes na economia, que ao final vem a prejudicar o próprio setor.
Há elevada complementaridade entre a indústria e os serviços. Os serviços têm peso importante na estrutura de custos da indústria (como transportes, armazenagem, reparos e manutenção, distribuição) e contribui para a agregação de valor (como marketing, design, serviços técnicos especializados). Em princípio, quanto mais longa a cadeia de produção, maior a importância dos serviços de custos para a competitividade da indústria, enquanto que bens mais sofisticados e diferenciados dependerão mais dos serviços que agregam valor.
Os baixos ganhos de produtividade do setor de serviços no Brasil é certamente um fator a mais prejudicando a competitividade da indústria brasileira.
O aumento dos preços de serviços decorrente de pressões de demanda na economia, pelo consumo aquecido das famílias, sem a contrapartida de serviços de mais qualidade, foi um golpe sobre a competitividade da indústria, que se somou à tragédia de salários reais subindo acima dos ganhos de produtividade.
Uma história perversa em que aumentos (exagerados) de consumo representam risco, e não oportunidade para a indústria, que sofre com o encolhimento de margens, mas sem conseguir impedir o aumento de penetração das importações. A fatura não tardou. A indústria está estagnada desde 2010.
Outra fatura, porém, está se evidenciando: a desaceleração do consumo das famílias, como uma correção dos excessos do passado, cuja manifestação mais clara é a inflação. Como metade dos que as famílias consomem são serviços, o setor começou a ser naturalmente impactado.
Assim, o setor de serviços, o último elo da cadeia, iniciou seu ajuste por fraqueza de demanda, de empresas e indivíduos. O faturamento nominal dos serviços, descontada a sazonalidade, exibe estagnação na margem desde março deste ano, depois de anos com crescimento em ritmo chinês.
O PIB de serviços recuou 0,5% no segundo trimestre em relação ao trimestre anterior. Provavelmente novas quedas estão contratadas, pois o recuo não reflete fatores transitórios, mas sim um movimento em curso. Pelo seu peso na economia, o risco de nova retração do PIB no terceiro trimestre parece concreto.
Nesta linha, a confiança do empresário do setor de serviços cai. Está em 104 pontos, numa escala de 0-200, sendo que o componente “situação presente” está em 87,4 pontos, bem distante da linha de 100 que indica neutralidade.
Os excessos de demanda estão se reduzindo pelo caminho mais penoso. Não pela correção da política fiscal expansionista, mas pela contração da demanda privada. A magnitude do ajuste não está clara, e dependerá da reação do governo. Interromper essa dinâmica de uma economia que busca seu equilíbrio e tenta corrigir os excessos do passado dependerá de reorientação da política fiscal e de crédito público, além é claro de uma agenda que promova ganhos de produtividade do setor.
Que o medo do pior se traduza em ação para enfrentar as causas do problema, e não em atalhos que se revelam equivocados.
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