Se a versão atual do texto da reforma política for aprovada pela Câmara, os partidos terão um orçamento para gastar na eleição de 2018 de fazer inveja à maioria das prefeituras brasileiras. A estimativa é que R$ 3,6 bilhões em recursos públicos deixem os cofres da União para bancar as campanhas, quantia que mais da metade das capitais (16 das 26) não têm à disposição por ano para governar. Sete partidos receberão a maior fatia do bolo bilionário (PMDB, PT, PSDB, PP, PSD, PR e PSB). Em cinco deles, os escalados para a função de tesoureiro são alvos de investigações ou citados em delações da Operação Lava-Jato.
Responsável pela tesouraria do PMDB, o presidente do Senado, Eunício Oliveira, é alvo de dois inquéritos na Lava-Jato e aparece com o codinome “Índio” na planilha da Odebrecht. No PSDB, o tesoureiro e deputado Rodrigo de Castro também consta na planilha, com o codinome de “Castor”. Por enquanto, ele não tem inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal (STF).
No PT, o tesoureiro Emídio de Souza é réu em ações de improbidade administrativa referentes ao período em que foi prefeito de Osasco e está com os bens bloqueados. O vice-governador de São Paulo e responsável pela tesouraria do PSB, Márcio França, é investigado pelo Ministério Público por suspeita de participação em um esquema de fraude em licitações e superfaturamento de contratos na estatal que administra o Porto de Santos, no litoral sul paulista. O esquema teria como objetivo favorecer empresas que fizeram doações para a campanha dele a deputado federal em 2010 e para o PSB.
Fiscalização preocupa
Já o tesoureiro do PP em exercício, Leodegar Tiscoski, foi um dos políticos denunciados no escândalo que ficou conhecido como “farra das passagens” no Congresso Nacional, no qual parlamentares transferiam irregularmente as suas cotas para viagens.
A injeção oficial de dinheiro público nas campanhas foi a solução encontrada pelos partidos para compensar a proibição das doações por pessoa jurídica. Essas sempre bancaram parte expressiva das despesas dos candidatos, mas, desde 2015, estão vedadas. Em 2014, elas somaram quase R$ 4 bilhões numa eleição cujos gastos totalizaram R$ 5,1 bilhões.
Pela proposta costurada entre as lideranças partidárias, um fundo eleitoral (Fundo Especial de Financiamento da Democracia), seria criado e abastecido com verba pública a cada eleição. Para 2018, ele receberia 0,5% da receita corrente líquida da União — cerca de R$ 3,6 bilhões — e, a partir de 2020, o valor cairia para 0,25%.
O montante supera os orçamentos de 2017 de prefeituras como Florianópolis (R$ 2,3 bilhões), Cuiabá (R$ 2,2 bilhões) e da maioria das capitais do Nordeste. “Teremos um dos sistemas eleitorais mais caros do mundo para o Estado”, afirma o professor da UFRJ e especialista em eleições, Jairo Nicolau.
Além do recurso público, partidos e candidatos poderão continuar captando doações de pessoas físicas e usando o fundo partidário. Por outro lado, o autofinanciamento — uso de recursos próprios — ficaria proibido a candidatos a presidente, governador, prefeito e senador. Seria liberado para postulantes a vereador e deputado estadual e federal, até 5% dos gastos da campanha.
O uso de dinheiro público nas eleições faz crescer a preocupação com a fiscalização das contas de campanha. Para especialistas, o assunto, entretanto, tem sido renegado a segundo plano na Câmara. “Com a distribuição de dinheiro a milhares de candidatos pelo país, a fiscalização das contas tem que ser mais eficiente. O que a Justiça faz hoje é superficial”, diz Nicolau.
“Os parlamentares discutiram só o que interessa a eles, que é encontrar uma fonte de recursos para substituir a doação de pessoa jurídica. O interesse da sociedade, que é a fiscalização desses recursos, não está sendo debatido”, argumenta o diretor do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), Luciano Santos.
Para ambos, o financiamento público tornou-se inevitável com o fim das doações empresariais, uma vez que o Brasil não tem a cultura de doação por pessoa física. O MCCE defende que a centralização nos partidos da prestação de contas dos candidatos facilitaria a fiscalização.
Sigilo de identidade
“Achamos que o número de candidatos em 2018 vai aumentar com a oferta de dinheiro público. Para que a Justiça possa fazer um trabalho mais criterioso de análise das contas, já que agora tem dinheiro público em jogo, propomos que os partidos fizessem essa prestação. Reduziria as contas para analisar. Mas não foi aceito”, completou Santos.
No projeto da reforma política, a única referência à fiscalização das campanhas é para permitir que a Justiça peça reforço de pessoal aos tribunais de contas se necessário. As novas regras para o financiamento das campanhas traz outra polêmica. Doadores que contribuírem com até três salários mínimos teriam o sigilo de sua identidade garantido. Hoje os partidos são obrigados identificar todos os doadores. “É o contrário do que clamam as ruas”, reage Santos.
Fonte: “O Globo”.
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