O Sr. Bras está altamente endividado, resultado de anos gastando acima da sua renda. Sua dívida no banco já equivale a quase um ano de trabalho. Ele é um pai de família e vai ao supermercado fazer as compras do mês, mas como está sem dinheiro, acaba entrando no cheque especial. O problema é que o Sr. Bras continua indo jantar em restaurantes caros e não quer cortar gastos. Sabemos que essa história vai acabar mal.
O Brasil hoje se parece muito com o personagem. Com gastos acima da arrecadação de impostos desde 2014, descontados os juros, o país hoje deve mais de 80% do PIB. Isso mesmo aumentando impostos há décadas para cobrir gastos cada vez maiores. Ser um dos países com impostos e dívida mais elevados do mundo é uma das explicações do porquê o país não cresce.
Os impostos reduzem a renda disponível do cidadão e da empresa, o que inibe investimentos, fundamentais para o crescimento. Pior, o país que gasta mais do que cobra de impostos pega emprestado a poupança que empresas e famílias acumulam. Recursos que seriam usados para financiar comércios, indústrias e gerar crescimento.
Se o governo utiliza bem esses recursos, investindo em boa educação, por exemplo, ele pode ajudar no crescimento do país. Infelizmente, não é o nosso caso. Temos um dos maiores gastos públicos do mundo, mais de 40% do PIB antes da pandemia. Porém, os recursos são mal gastos. Caso contrário, não teríamos ficado tão para trás.
Nos últimos 25 anos, após o controle da inflação galopante, a renda média dos brasileiros cresceu cerca de 1% ao ano. Enquanto a renda per capita do mundo dobrou no período, a nossa subiu aproximadamente 30%.
Isso acontece porque o Estado brasileiro é uma máquina de privilégios e produz poucas oportunidades. Temos um Estado que trabalha para si mesmo. Os acontecimentos recentes, que devem culminar no rompimento do teto dos gastos, demonstram isso.
O teto foi criado para garantir que o Estado aumentasse seus gastos apenas de acordo com o aumento da inflação. Dessa maneira, com o crescimento da economia, seria possível equilibrar as contas e estabilizar a dívida. Nossos governantes precisariam aprender a fazer escolhas, já que não poderiam mais criar novas despesas sem cortar outras.
A discussão do aumento do Bolsa Família em um contexto de elevado desemprego e inflação alta poderia fazer sentido. Mas a solução foi feita às pressas, sem pensar em um desenho que ajudasse na inclusão produtiva dessas pessoas. Outras medidas, como vale-gás e “bolsa diesel” mostram que o Executivo e Legislativo estão focados em conseguir apoio nas próximas eleições. Nenhum dos programas se preocupa em gerar emprego e renda para essas pessoas.
Agora vem o pior. Decidiram aumentar as despesas sem cortar outras. E sabemos que não faltam privilégios para cortar. Alguns exemplos são os ganhos da elite do funcionalismo de várias remunerações, como auxílio-moradia, auxílio-paletó, auxílio-alimentação e reembolsos de gastos com saúde, que fazem com que seu rendimento supere em muito o teto salarial de R$ 39,2 mil do setor público.
Somos o sétimo país que mais gasta com funcionalismo em proporção do PIB. Gastamos mais que a Suécia e a Inglaterra, a título de comparação. O estabelecimento de metas e avaliações que garantam um bom serviço prestado e o corte de mordomias da elite do funcionalismo, como 60 dias de férias dos juízes (que ainda têm recesso de pelo menos 15 dias), poderiam ajudar nessa economia.
O fundo eleitoral, que encarece as campanhas e concentra recursos nos políticos já eleitos, diminuindo a democratização do acesso ao Executivo e ao Legislativo é outro exemplo. Assim como as emendas parlamentares recordes que devem ser desembolsadas no ano de eleição.
A consequência disso é desastrosa e deve resultar em menor crescimento e maior inflação. Desde que o não cumprimento do teto de gastos começou a ser debatido no final de julho, as empresas listadas na Bolsa de Valores perderam mais de R$ 1 trilhão em valor de mercado. Isso significa menos investimentos e oportunidades de emprego e renda.
Fora isso, houve um aumento expressivo das taxas de juros, porque ficou clara a incapacidade do país de fazer escolhas e não aumentar gastos. O país entrou no cheque especial.
O aumento de gastos do governo tem que ser financiado via aumento de impostos, maior endividamento ou inflação. Essa terceira alternativa é a mais perversa, já que os mais vulneráveis não conseguem se proteger. A melhor solução seria cortar privilégios. Se o país não consegue fazer isso em um cenário de crise, com elevado desemprego e pessoas passando fome, quando fará?
Fonte: “UOL”, 24/10/2021
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