Lei do mercado, da sociedade civil e, de resto, do mundo privado e real: se a empresa empregadora está deficitária, cortam-se custos e demitem-se trabalhadores. Lei do poder público e, de resto, de um Estado empregador irresponsável e delirante: aumentam-se os vencimentos do funcionalismo público.
Este é o mal maior e mais perverso de nossa cultura política: irresponsabilidade fiscal, um pacto generalizado de corporativismo sem limites, e sempre às custas do difuso interesse público.
A corporação dos políticos, para defender seus interesses, pactua com a corporação dos funcionários públicos a sua mútua locupletação dos recursos públicos. Sim, o problema do Brasil é cultural: “Comendo eu e meu cavalo, o resto que se dane!”. Não desta concepção de cultura estreita a que foi reduzido o movimento da corporação dos artistas de performing arts com a sua campanha “Ocupe o Minc”.
O problema do Brasil é de cultura cívica e política, concepção mais geral da cultura, e não de culturas setoriais, o que demanda uma verdadeira reforma geral das mentalidades, do imaginário social construído no espaço público da mídia.
E já que a moda é ocupar, do tipo “Ocupe escolas”, “Ocupe fazendas”, “Ocupe presídios”, “Ocupe estradas”, “Ocupe próprios públicos” e até mesmo “Ocupe palácios” (como no caso do Alvorada), só nos resta mesmo coordenar esforços da pacata “patalhada” geral dos pagadores de impostos para o maior e definitivo movimento cívico: “Ocupe Brasília”.
Pois é lá que se cultiva a irresponsabilidade geral pelo nosso furdunço fiscal: já que o Orçamento não cabe no PIB, e a solução passageira é sempre aumentar impostos definitivos de um Estado deficitário e perdulário crônico, todos correm espertos para defender a compensação de algum privilégio fiscal corporativo.
E, em terra onde todos se acham espertos, não há otários suficientes, a não ser que todos sejamos otários insuspeitos. Prevalece a irresponsabilidade política da cultura imoral do corporativismo produto da omissão cívica de nossas elites.
Cultura generalizada, seja de grupos empresariais dos mais variados portes e setores, seja de quaisquer outros empreendimentos de cunho social, partidário, religioso, cultural, artístico ou mesmo informativo. Que esbravejam publicamente contra o Leviatã da carga tributária durante o dia e, à noite, tramam por seus subsídios compensatórios setoriais.
Pois nem a imaginação fértil de George Orwell em “1984” cogitou de um Big Brother tão onipotente que pretendesse comprar com tão farta distribuição de bolsas e boquinhas fiscais a adesão ou omissão políticas de tão vasto espectro de nossas elites.
Pois não teremos salvação nacional pela ação de nenhum pacto corporativo setorial, mas apenas pela ação de segmentos mais conscientes e atuantes de cidadãos de cada uma dessas corporações, que se apresentarem no espaço simbólico da mídia em defesa efetiva do interesse público.
Pois somos todos inocentes no varejo do privado, mas culpados no atacado do desinteresse público. E beneficiários de algum tipo de subsídio, incentivo, desoneração ou renúncia fiscal.
De tão geral esta cultura suicida de transformar em regra as exceções, que não há mais possibilidade de salvação que não seja de todos. E, havendo consenso quanto ao diagnóstico de nossa doença cultural cívica e política, e calculado o total da conta da renúncia fiscal descontada da carga tributária, será que, consultados num plebiscito, não abriríamos mão em conjunto de nossas boquinhas fiscais, sem exceção?
O país não voltaria a crescer com a carga tributária de 25% do PIB que já teve um dia? Custa tentar? Tentar ainda não paga imposto!
Fonte: O Globo, 05/06/2016.
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