Quem vencer as eleições presidenciais este ano terá um início de mandato com o orçamento mais apertado desde 2003. Em 2019, o espaço para investir deve ser de apenas 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo projeção baseada em apresentação do Ministério do Planejamento sobre a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). A última vez em que um presidente começou a gestão com o caixa tão restrito foi no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, há 15 anos. Na ocasião, a folga para investir ficou em apenas 0,3% do PIB, por causa de um forte ajuste fiscal. Agora, o principal desafio será lidar com as travas que o teto de gastos impõe, enquanto gastos obrigatórios como a Previdência não param de crescer.
A projeção para 2019 se baseia na expectativa de que as chamadas despesas discricionárias — que não são obrigatórias — fiquem em 1,3% do PIB. Como os investimentos respondem por pouco menos da metade (39,5%) desses gastos, a estimativa para o ano que vem foi de 0,5%. No ano passado e este ano, a proporção ficou em cerca de 0,7% do PIB. A série mais longa para esse indicador é elaborada pelo Tesouro Nacional e vai até 1997. O número de 2003 é o menor da História.
Veja mais:
Fernando Gabeira: Para onde correm os candidatos
Zeina Latif: Mais democracia, não menos
Raul Velloso: Hora de atacar os problemas gêmeos
Na avaliação da professora da Coppead/UFRJ Margarida Gutierrez, especialista em contas públicas que ajudou a fazer esses cálculos, o cenário este ano é diferente do existente há uma década e meia:
— Em 2003, estávamos discutindo se haveria superávit primário (economia para pagar os juros da dívida pública) de 2,75% ou 3% do PIB. Agora, estamos discutindo qual vai ser o tamanho do déficit.
A principal trava para o crescimento das despesas não obrigatórias é o teto de gastos, aprovado em 2016, que prevê que as despesas públicas não podem crescer acima da inflação do ano anterior, medida pelo IPCA, o índice oficial. Na prática, se um gasto rompe essa barreira, esse aumento precisa ser compensado com um corte. O problema dessa conta é o crescimento dos gastos obrigatórios.
ESPAÇO PARA FREAR GASTOS
Sem a reforma da Previdência, despesas crescentes com aposentadorias e pensões limitam esse espaço disponível, obrigando o governo a cortar em outras frentes, como compra de materiais, mas sem comprometer o funcionamento da máquina pública. Segundo projeção da Tendências Consultoria, só no ano que vem o contingenciamento terá de ser de R$ 18,8 bilhões para que a regra seja cumprida. O percentual de despesas não obrigatórias no Orçamento cairia de 20,5% para 18,5%.
Fabio Klein, economista da Tendências, observa que é normal que um novo governo herde do antecessor, por exemplo, a meta fiscal para o ano seguinte. Mas lembra que a nova regra é uma imposição inédita:
— Quem ganhar vai herdar uma situação de cinco anos de ajuste fiscal que, na prática, faz com que o gasto discricionário esteja no mesmo nível de 2009.
O economista observa ainda que nem todas as despesas obrigatórias são incontroláveis. Há espaço para limitar os gastos, como a trava incluída na LDO que limita a concessão de incentivos fiscais:
— Em 2017, por exemplo, a gente observou uma boa queda de gastos de natureza obrigatória, com medidas como a reforma que mudou a TLP (taxa de juros praticada pelo BNDES) e a revisão de pagamentos de benefícios assistenciais.
Tudo isso ocorre em um cenário de insegurança em relação aos planos dos candidatos para a economia, inclusive sobre como lidar com o ajuste fiscal. Não por acaso, o nível de incerteza na economia, medido por um indicador da FGV, está alto. Considerando apenas anos de eleição, o índice está no maior nível desde 2002 — a série histórica começa no ano 2000.
O indicador é medido em pontos — quanto maior, maior o nível de incerteza. O máximo da série histórica, 132,6, foi alcançado em setembro de 2015, em meio à crise política que culminou com o impeachment de Dilma Rousseff. No relatório mais recente, de julho, o número está em 116,8 pontos. Considerando apenas períodos eleitorais, o mais incerto foi 2002, quando a pontuação chegou a 103,9, em meio à insegurança do mercado em relação à política econômica do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva.
Boa parte dessa insegurança é atribuída justamente aos rumos da política fiscal. Em relatório divulgado no início do mês, a agência de classificação de risco Fitch destacou o sentimento do mercado financeiro: “Existe uma incerteza sobre o ritmo, escopo e qualidade de política de ajustes após as eleições. Os candidatos na liderança das pesquisas estão propondo variadas opções para a política de ajuste fiscal. Outra incerteza é sobre a base no Congresso do vencedor, que será importante para garantir boa governabilidade e apoiar o progresso de importantes reformas”.
INFLAÇÃO BAIXA
Claudio Frischtak, sócio da Inter B Consultoria, não descarta que o investimento chegue a zero em um cenário desfavorável:
— Sem reformas, em 2020 o investimento público é tendencialmente zero.
Se do ponto de vista fiscal o futuro presidente terá um grande desafio pela frente, alguns indicadores macroeconômicos contribuem com certa dose de otimismo para o cenário que se vislumbra no primeiro ano de mandato. A projeção de inflação para o fim deste ano é de 4,11%, segundo o último boletim Focus — que reúne previsões de cerca de cem analistas de mercado —, uma boa herança para quem sair vitorioso do pleito em outubro. Com o índice de preços sob controle, a tendência é que a taxa básica de juros, a Selic, mantenha-se em patamar baixo. A expectativa de analistas é que ela chegue ao fim deste ano no menor nível histórico, 6,5% ao ano.
— A crise dos caminhoneiros impactou as projeções de crescimento econômico, que foram revistas para baixo, mas não as previsões de inflação. Pelo contrário. Um ritmo de crescimento menor é ruim para a geração de emprego, mas não é ruim para a inflação. Isso dá uma certa tranquilidade (ao futuro presidente) para fazer os ajustes fiscais necessários — afirma José Júlio Senna, economista da FGV.
Fonte: “O Globo”