Passagens subiram 685% no período, contra 158% das despesas com carro
A política do governo de segurar o preço da gasolina para controlar a inflação, aliada aos incentivos fiscais para a indústria automobilística, criou uma perversa distorção nos custos do transporte no Brasil. Deslocar-se por automóvel ficou proporcionalmente mais barato do que usar ônibus, metrô, trem ou barcas nas grandes capitais brasileiras nos últimos anos. Enquanto as tarifas de transporte coletivo subiram 685% desde a estabilização da moeda, abastecer o carro com gasolina ou álcool ficou 423% mais caro — uma alta bem menor, mostram os números do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do IBGE.
No preço do carro, a diferença é ainda mais gritante. Em 20 anos, a alta foi de 158,36%, menos da metade da inflação média do país no período (365,58%).
Facilidade nos financiamentos
A tarifa ônibus, responsável por 86,6% do transporte coletivo urbano no país, subiu mais ainda: 711,29%. A política privilegia a classe média que tem carro em detrimento de quem usa o transporte coletivo. São 40 milhões de pessoas por dia em 3.311 cidades transportadas em 107 mil ônibus.
— Nos últimos dez anos, claramente o transporte público ficou mais caro para a população. Essas decisões são tomadas no âmbito econômico. Não se discute a mobilidade e o financiamento das cidades. Temos que segurar a inflação e aí o preço da gasolina não sobe. E a bomba cai nas mãos dos prefeitos — afirma Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Em outro intervalo de tempo, a desigualdade persiste. Segundo levantamento do Ipea, de janeiro de 2002 até março deste ano, as tarifas de ônibus avançaram 141%, e os metrôs tiveram alta de 96,3%. Já o preço dos carros novos subiu apenas 10,2% no período e o da gasolina, 70,5%.
Ribeiro fez uma conta que dá a dimensão exata do tamanho do incentivo. Em junho de 2005, em Belém, com o valor de dez litros de gasolina, se comprava 21,6 passagens de ônibus. Em abril de 2013, comprava 13,7 passagens. Em Porto Alegre, essa diferença caiu de 13,6 passagens para 10,1. Em Salvador, foi de 15,7 para 10,3.
Enquanto a política do governo para a gasolina é para conter os preços, o transporte público obedece ao calendário eleitoral. Em anos de eleição, a tarifa permanece a mesma. No primeiro ano de governo, vem a conta.
As manifestações de junho de 2013 conseguiram mudar um pouco essa lógica financeira eleitoral. Os reajustes que aconteceriam no ano passado (ou seja, ano seguinte à escolha dos prefeitos) ficaram represados ou foram compensados com desonerações para as empresas de ônibus. As autoridades temiam a reação da sociedade. Mas, desde dezembro do ano passado, cinco das 13 capitais acompanhadas pelo IBGE em sua pesquisa de inflação reajustaram a tarifa de ônibus este ano: Rio, Porto Alegre, Belém, Belo Horizonte e Goiânia.
O professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio, especialista em inflação, lembra que as mudanças de preços relativos, como a que ocorreu com o carro (que ficou relativamente mais barato, já que subiu menos que a inflação média), tendem a ser um incentivo para novos hábitos de consumo. Ele destaca também do simbolismo da posse de um veículo. Quem tem carro tem mais status, ainda mais quando é zero quilômetro.
— Para completar o cenário de incentivos, o governo agiu claramente para facilitar os financiamentos. Hoje, as taxas para aquisição de veículos são muito baixas e o próprio carro é a garantia — explica o professor.
Marcos Bicalho dos Santos, diretor da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), justifica a subida maior dos preços pela mudança na Lei do Petróleo no fim dos anos 1990. Com ela, acabou o subsídio cruzado ao óleo diesel que era cobrado no preço da gasolina. O diesel responde por 23% do custo dos ônibus no país. Ele se queixa também da tributação:
— Há cinco anos, os impostos que incidiam sobre o transporte de ônibus eram de 31%. Hoje, estão em 21%, com a desoneração da folha de pagamento e do PIS/Cofins. Mas acreditamos que seja possível reduzir mais, deixando a tributação da passagem de ônibus em apenas 5% — disse ele, que lembra que, com o aumento da frota de carros e o estrangulamento das vias, as empresas precisam de mais veículos e trabalhadores para atender a mesma demanda.
Pedágio barateado
Bicalho cita que 18% dos usuários não pagam passagem. Ele defende subsídio para a gratuidade, para evitar que o custo seja repassado ao restante dos usuários, aumentando o preço do transporte, como ocorre atualmente.
Cláudio Frischtak, da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios, afirma que há preços subsidiados que estimulam ainda mais o uso do transporte individual:
— O governo federal está trabalhando na renovação da concessão da Ponte Rio-Niterói e já informou que pretende baratear o pedágio, que ficará muito mais competitivo que o preço das barcas. Isso está errado, o certo seria manter a tarifa e usar parte da arrecadação para financiar o metrô, por exemplo — disse.
Fonte: O Globo
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