Há uma grande repercussão do assunto na Câmara dos Deputados, nos jornais e nos consórcios de notícias. É um tema quente e complicado, porém poucas pessoas entendem profundamente essa pedra no sapato em que tropeçaram Jair Bolsonaro e Paulo Guedes. Vimos o recuo do governo federal relacionado ao orçamento público de 2021. Meses atrás, o governo apresentou na câmara a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e agora em primeiro ato a apresentação do orçamento fiscal para o ano vigente. O grande surto ficou na questão de se realmente haveria o risco de pedalada fiscal, pois o governo postergou despesas obrigatórias (funcionários públicos, aposentadorias, benefícios sociais, dentre outros). Não entrando no mérito de questões políticas e negociações parlamentares para tentar fechar ou não o orçamento fiscal de 2021, vamos direto ao ponto.
Mais de Wadathan Felipe
Produtividade: palavra-chave para alavancar a economia no pós Covid-19
Como o excesso de servidores sucateou o Estado
A questão é como o país se movimentará com as despesas obrigatórias cobrindo quase todo o teto do orçamento do governo federal. A aprovação do teto de gastos em 2016 foi uma grande medida para segurar as despesas públicas. O problema é que só a emenda do teto de gastos não irá salvar o país. Esse ano mostrou ao nosso presidente o real problema, já que o governo praticamente teve que “rebolar” para alocar os R$ 29 bilhões que faltavam nas despesas obrigatórias para fechar o orçamento. O risco de um shutdown (falha em alguns órgãos públicos por falta de renda) batendo à porta iria deixar algumas partes do Estado em sérios problemas. Imagine se PIX, INSS, transações financeiras, retirada de passaportes, tecnologias cartoriais e afins ficassem paradas; pense na quantidade de imposto que o Estado não deixaria de arrecadar, as transações internas, o desgaste que traria para a população…
Outro lado da moeda é a diminuição de despesas discricionárias – são as despesas que não são vinculadas às contas obrigatórias e são destinadas a investimentos, desembolsos, empréstimos ou bolsas de estudos. Algo tão importante para alavancar nossa produtividade perdendo espaço para gastos com pessoal e mazelas políticas… Ter que discutir dentro de um orçamento onde alocar 6% de recurso é uma incoerência absurda. Gastamos R$1,5 trilhão em despesas e apenas R$96 bilhões com investimento. Os gastos por aqui já estão batendo quase 20% do Produto Interno Bruno (PIB). Acredito que muitos aqui não estudaram o orçamento, mas os R$29 bilhões foram retirados da saúde, educação e infraestrutura, em um cenário de crise sanitária, onde faltam insumos para saúde e tecnologias para alunos que agora estudam em casa.
Aumento nas despesas obrigatórias
De 2016 a 2020, as despesas com servidores públicos aumentaram de R$257,87 bilhões para 336,2 bilhões, aumentando 78,75 bilhões. Os funcionários públicos consomem 13,4% do PIB e 22,75% de todo o orçamento público. Logo após a reforma da previdência a intenção era atacar os gastos com pessoal, mas nada disso aconteceu.
Outra fatia do bolo é a previdência: dentro do teto avança 5,5 pontos e, de 2016 a 2020, de 40,6% foi para 46,1%. Eram R$ 507,87 bilhões, agora são R$ 682,68 bilhões. Segundo a IFI – Instituição Fiscal INDEPENDENTE, em 2000 eram 20 aposentados para 100 pessoas ativas trabalhando. Para 2030, a previsão é 45 aposentados para 100 pessoas ativas. Nesse quadro dos empregados ativos, também constam os servidores públicos ativos. Basicamente chegará um tempo em que só teremos dinheiro para pagar folha de pagamento e nada além.
Esse conto de fadas “o Brasil é um país rico” é uma falácia – e não se torna rico gastando mais do que os ricos. Não dá para se tornar uma megapotência gastando mais do que grandes economias desenvolvidas.
Aumento das despesas obrigatórias pagaria até nove anos de bolsa família
É uma faca de dois gumes: de um lado, a população anseia por mais Estado e uma parte sofre com perda de renda. Se diminuíssemos esse gasto, seria possível fazer a manutenção de nove anos do bolsa família ou pensar em um aumento de repasse para o programa. São 13,5 milhões de pessoas beneficiadas pelo plano; imagine essa renda aumentar em três vezes sem precisar fazer muito esforço. O que acontece é o contrário, em 2019 vimos aumento da fila de espera para o cidadão. Em 2020, houve uma discussão para encolhimento do programa, em verba e quantidade de pessoas. Fora o caso de gambiarra: o governo federal teve que explicar por que retirou R$ 83 milhões destinados ao nordeste para gastar com publicidade. Dá para perceber que o Estado não consegue mais honrar seus compromissos e fica improvisando. Isso apenas com o bolsa família; imagine em outros programas sociais o impacto que poderia trazer…
Diferença no orçamento dos gastos obrigatórios comparado com outros países
Perdemos a mão nos gastos obrigatórios. Para se ter uma noção, nos Estados Unidos, servidores e folha de pagamento não estão contemplados em gastos obrigatórios e, caso o governo não tenha verba para pagar funcionários, sugere-se que fiquem em casa até rever a forma de pagamento. Estamos “passando pano” em algo sério e os governos que passam arrastam o problema, não lhe dando a devida importância. Países da América Latina que têm uma rigidez menor em orçamentarias dos gastos obrigatórios: Argentina com 85%, Uruguai com 78%, Chile 71%, Peru 53% e o Equador com 49%. Já deu para entender que, quando se fala de gastos, somos o único ponto fora da curva na América Latina – e maior que países muito mais desenvolvidos.
A solução é menos despesas e mais arrecadação
Os políticos não querem economizar, mas uma reforma administrativa seria uma mão na roda, deixaria o Estado mais enxuto – lembrando que reforma administrativa não trará arrecadação para a máquina pública, mas tem uma utilidade tremenda em corrigir os gastos com pessoal atualmente e no futuro, para que não passemos novamente por problemas como este. A solução é aumentar a arrecadação, porém de forma saudável e justa. Neste país, temos uma histeria de aumentar imposto para aumentar arrecadação, o grande câncer varguista que se apossou no Brasil. Depois, precisaríamos de uma reforma tributária de peso e produtiva. A atual configuração já está ultrapassada: é gigantesca comparando com países com o mesmo PIB per capita, além de ser um peso morto, gerar desincentivo e fuga de capital. É um calo econômico que carregamos há anos.
A massa gastadora de Brasília tem um devaneio em cismar que não precisamos reduzir os gastos, pois a dívida já reduziu. Na realidade, em 2019, retornaram algumas devoluções ao BNDES e a venda de reservas internacionais.
Ao analisar a LDO, a previsão é crescimento do PIB de 2,5% até 2024 – se é que se pode chamar de crescimento. Ao olhar o salário mínimo, a previsão para o ano seguinte é de aumentar R$ 47,00. Vamos fechar no ciclo da década perdida 11 anos de estagnação econômica e déficits primários até 2024. As reformas eram para ser feitas até o momento em que a taxa de juros não voltasse a crescer. Percebemos um aumento da taxa da Selic e nada de as reformas acontecerem. Este governo anda abrindo precedente para mais dez anos perdidos. É muito pouco trabalho.
Precisamos evoluir nossas medidas e aprender a discutir um orçamento público – é ali que se discute a fatia do bolo. É impossível abandonar o orçamento como temos feito. A princípio, o discurso era rever gastos, atualmente é o shutdown ou falência do Estado. Falta senso dos políticos brasileiros e coerência de votos na população que os elege. As práticas populistas só tem ajudado a afunilar esse problema e, do outro lado, a população não dá importância, discute pouco o tema e “queima” seu voto nas urnas. Não dá para se conformar, é necessário haver mudança.
Foto: Reprodução