O teólogo jesuíta Baltasar Gracián, que viveu na primeira metade do século XVII, nas suas reflexões acerca de como ter êxito na política, deixou cunhada uma lição importante: “Saiba como usar evasivas. É assim que as pessoas astutas se livram das dificuldades. Elas se desembaraçam do mais intrincado labirinto com o emprego espirituoso de uma observação inteligente. Elas se livram de uma séria controvérsia com um gracioso nada ou suscitando um sorriso. A maioria dos grandes líderes conhece a fundo esta arte”.
É evidente que no mundo real, na tentativa de conquistar votos para vencer uma disputa eleitoral, há que “seduzir” o eleitor e, portanto, não é preciso ser um luminar em Ciência Política para saber que ninguém será eleito presidente da República oferecendo apenas sacrifício e ajustes. As palavras famosas de Winston Churchill, de que podia oferecer apenas “sangue, suor e lágrimas” aos ingleses, só se explicam pelo contexto dramático da Segunda Guerra Mundial em que elas foram pronunciadas, sendo receita certa de fracasso eleitoral em qualquer democracia em épocas normais.
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Ao mesmo tempo, das minhas lições de vida acumuladas ao longo de pouco mais de cinco décadas e meia, guardo o seguinte ensinamento de um ex-ministro, que certa vez me disse o seguinte: “Nunca se deve subestimar a inteligência da população”. Isso significa que beiraria a tolice um candidato tentar se eleger presidente só falando no que se conhece como “agenda negativa”, mas a sociedade brasileira parece suficientemente madura para que o eleitor deixe de ser tratado como uma criança incapaz de entender o contexto no qual o governante terá que agir nos quatro anos posteriores a uma eleição.
Nos últimos processos eleitorais, tivemos uma espécie de certame de conto de fadas, com uma competição para ver qual candidato expunha a maior relação de bondades. Um exemplo disso foi a declaração de Aécio Neves em 2014 dizendo que, se fosse eleito, iria propor o fim do fator previdenciário, criado no governo do seu próprio partido, recomendação que dez entre dez especialistas sabiam que aumentaria o gasto público, em momentos em que um ajuste fiscal posterior às eleições daquele ano apresentava-se como uma imposição inexorável das circunstâncias.
Os resultados estão aí. A combinação de promessa de mais gastos com a recusa a encarar a sério a necessidade de rever antigas práticas que produzem maiores dispêndios levou a uma realidade retratada em alguns dados eloquentes: em 2002, no fim do governo FH, a despesa primária do governo federal — atualmente objeto do teto do gasto público — excetuadas as transferências a estados e municípios, correspondia a 16 % do PIB, percentual que aumentou para 17% do PIB em 2010, no fim do governo Lula e, depois de seis anos de gestão Dilma Rousseff-Michel Temer, em 2016, alcançou 20 % do PIB. É esse diferencial de piora fiscal primária — exceto juros — nesse período de 12 anos que está por trás do gigantesco déficit público do ano passado, de 9 % do PIB, quando tinha sido de 4% do PIB em 2002.
O Brasil terá que encarar em 2019 um dos anos mais importantes da sua história. Das escolhas que serão feitas e das decisões que serão tomadas ou proteladas dependerá, provavelmente, que tipo de país teremos na próxima década e em que ambiente nós e nossos filhos iremos viver.
Há muita coisa em jogo, e coisas importantes demais para serem decididas para que o destino do país dependa mais uma vez, essencialmente, da criatividade dos “marqueteiros”. Por isso, é importante que, independentemente do que os candidatos falarem na televisão — mesmo sabendo da perspectiva promissora de que, caso as decisões adequadas sejam tomadas, há chances de termos um bom quadriênio 2019/2022 — cada cidadão esteja consciente de que haverá medidas duras que precisarão ser adotadas em 2019, sob pena de que a situação econômica desande. E isso incluirá uma reforma das condições de aposentadoria, um controle rigoroso do gasto público e um espaço ínfimo para a prática do tipo de bondades que, historicamente, os governos gostam de praticar. É como se cada cidadão, antes de começar a temporada eleitoral de 2018, se encarregasse de transmitir aos candidatos o seguinte recado: “Queremos programas viáveis, por favor”.
Fonte: “O Globo”, 07/11/2017.
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