Nas últimas semanas ocorreu um debate acalorado, por vezes surreal e cheio de pegadinhas em torno da chamada geração distribuída com energia solar. E porque o debate cresceu tanto em todas as esferas: imprensa, associações, no Congresso e nas redes sociais? Porque o consumidor está pagando muito caro pela energia.
Afinal, o que é geração distribuída? É a geração de energia pelo próprio usuário. As principais vantagens são a proximidade da produção ao chamado centro de carga e a liberdade de escolha do usuário final. Ao contrário do que faz parecer, produzir sua própria energia não representa a independência da rede elétrica.
O consumidor utiliza a rede de distribuição para consumir a energia de que precisa nos momentos em que sua geração própria não é suficiente para atendê-lo (momentos em que o consumo é maior do que a geração; durante a noite; em dias chuvosos ou nublados; em situações de parada ou manutenção do sistema, etc).
Os sistemas de distribuição e transmissão (os postes, os fios, os transformadores da rua) precisam estar dimensionados e preparados para atender esse consumidor em todas essas condições.
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O custo desse serviço não tem sido integralmente cobrado na regra atual (apenas uma pequena parcela desse custo é cobrada por meio da franquia mínima da conta de energia, denominada de “custo de disponibilidade”). No entanto, essa franquia mínima não remunera o uso que esse consumidor faz da rede de distribuição –que pode, inclusive, ser um uso mais intenso do que o consumidor que não tem geração.
Esses custos necessários para manter o sistema disponível e operante, não pagos pelos consumidores da geração distribuída, acabam sendo alocados para os demais usuários do sistema elétrico.
Vale ressaltar que os encargos setoriais, dos quais o consumidor com geração distribuída são isentos sobre a parcela da energia compensada, têm como objetivo custear diversas políticas públicas do setor elétrico brasileiro, tais como: universalização do serviço de energia elétrica em todo o país (Programa Luz Para Todos); concessão de descontos tarifários a diversos usuários (consumidores baixa renda, rural, Irrigante, serviço público de água, esgoto e saneamento; geração e consumo de energia de fonte incentivadas, etc.); modicidade da tarifa em sistemas elétricos isolados (Conta de Consumo de Combustíveis – CCC); competitividade da geração de energia elétrica a partir da fonte carvão mineral nacional; entre outros.
Além disso, atualmente, todas as Unidades da Federação aderiram ao Convênio ICMS nº 16/2015, da Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária). Isso significa que, em teoria, todos os Estados estariam aptos a aplicar a cobrança de ICMS somente sobre a diferença entre a energia consumida da rede e a energia injetada pela geração distribuída.
Assim, além da isenção referente aos encargos e aos demais custos do serviço de distribuição, os consumidores de geração distribuída também são isentos do pagamento de ICMS sobre a parcela da energia compensada. Com a palavra os governadores que hoje passam por uma crise fiscal de grandes dimensões.
Em alternativa a utilizar os serviços de distribuição da sua concessionária, o consumidor com geração própria poderia operar desligado da rede. Para tanto, seria necessário acoplar seu sistema de geração fotovoltaico a um banco de baterias, que faria, nesse caso, o papel que a rede de distribuição atualmente faz. Ocorre que o custo de investimento e de operação de um sistema isolado da rede (offgrid) é atualmente estimado em R$ 240.500 considerando a opção mais barata (bateria de chumbo ácido). Esse custo atualmente é inviável.
Na análise realizada pela Aneel, os benefícios da geração distribuída para o setor elétrico (redução das perdas, redução da geração de plantas centralizadas, postergação de investimentos nas redes de transmissão) são considerados sob uma perspectiva média (para todo o país) apesar da ciência de que muitos desses benefícios têm uma característica essencialmente locacional (dependem do local em que a geração se encontra instalada e do momento em que se dá a geração). Para valoração desses benefícios, foram levadas em consideração as contribuições dos agentes nos processos de participação pública realizados pela Aneel, em que se incluem os agentes do setor de geração solar.
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Mesmo considerando que os benefícios potenciais da geração distribuída se traduzirão em benefícios concretos, a expectativa é que entre 2020 e 2035 o setor elétrico suporte um custo da ordem de R$ 56 bilhões. Em valor presente, seria equivalente a R$ 34 bilhões.
Diante de todas essas informações claras e transparentes, causou estranheza a defesa da política do Robin Hood as avessas. Na realidade, defender essa política é defender a criação de um grupo de consumidores privilegiados e mais ainda é obrigar uma geração de brasileiros a subsidiar a venda de equipamentos por parte de grandes grupos internacionais. É bom lembrar que pelo acordo celebrado entre a Aneel e a Absolar os subsídios aos painéis solares serão mantidos por 25 anos a partir do empreendimento para contratos vigentes.
Sob o argumento da modernidade, da geração de energia limpa, criou-se uma política que penaliza as camadas de baixa renda, retira arrecadação dos Estados e aumenta a tarifa daqueles que não possuem renda para instalar painéis fotovoltaicos. O Brasil cada vez mais é o país da meia entrada, ninguém quer pagar inteira. O problema é que isso acabará trazendo consequências, vide o que está ocorrendo no Chile.
Fonte: “Poder 360”, 05/11/2019