Com o retumbante fracasso do ativismo estatal dos últimos anos, as privatizações voltaram à pauta. E, com elas, os críticos de sempre. No início de julho, Lula afirmou que os membros do governo interino “não sabem governar e precisam vender o patrimônio público”. A frase poderia ser notícia de um site cômico, dado o rombo gerado pelo governo do seu partido. Na essência, Lula repete o bordão que usou para se eleger em 2006: que defensores da participação privada são contra o social. Curiosamente, dias antes da afirmação de Lula, o seu concorrente naquela eleição, Geraldo Alckmin, havia anunciado a intenção de conceder à gestão privada 25 parques públicos do Estado de São Paulo. Partidos da oposição novamente criticaram a iniciativa.
Os detratores da gestão privada precisam urgentemente se adequar aos novos tempos. Quem recebe ou depende de um serviço público quer, no fundo, qualidade e eficiência de entrega. Um turista brasileiro em Foz do Iguaçu, por exemplo, paga 34, 30 reais para entrar no parque das cataratas e se beneficia de uma gama enorme de atrações. Ao turista, pouca diferença fará saber que os serviços do parque são de responsabilidade da iniciativa privada desde 1999. Ele quer simplesmente que a sua experiência valha o dinheiro investido.
Fechar as portas a empreendedores privados significa não apenas excluir do sistema atores com mais competência em certas áreas como também desviar o foco do setor público de suas responsabilidades verdadeiramente críticas. Em um estudo com Sandro Cabral e Paulo Furquim, tive a oportunidade de conversar com gestores públicos de prisões paranaenses cujas operações haviam sido transferidas a empresas privadas. Cuidando de atividades básicas, essas empresas liberavam tempo dos gestores públicos para supervisionar a qualidade dos serviços e atrair investimentos em reintegração social dos presos. Entretanto, confiando mais na sua ideologia do que na boa análise técnica, Roberto Requião anunciou o desmonte da terceirização quando retornou ao governo estadual em 2003. Os gestores tiveram novamente de gastar tempo com pendengas operacionais diversas — como, por exemplo, abrir licitações até mesmo para trocar um simples conjunto de lâmpadas.
Os críticos também dizem que a participação privada exclui populações carentes quando há cobrança pelos serviços. Uma preocupação muito pertinente, mas cujo remédio não envolve necessariamente impedir o privado. Ainda no exemplo de Foz do Iguaçu, visitantes de comunidades do entorno pagam cerca de um terço do preço regular de entrada, 11 reais. Além disso, a própria presença de empresas privadas acaba gerando mais e melhores empregos. O que é preferível: uma atividade gratuita, mas com pouca infraestrutura e baixa qualidade, ou outra paga, mas com empreendedorismo vibrante e criação de renda sustentável?
Mais ainda, em concessões e parcerias público-privadas modernas, o gestor privado é sujeito a metas explícitas de impacto. Considere o caso da rota turística Lund, um conjunto de parques ao norte de Belo Horizonte. O contrato para gerir a rota prevê três blocos de indicadores de desempenho social e ambiental. Quanto maior a nota nos indicadores, maior a chance de a empresa receber uma espécie de bonificação do estado pela qualidade dos serviços. Esses mecanismos de contratação com base em impacto social são cada vez mais comuns no mundo. Os chamados contratos de impacto social (social impact bonds) envolvem um mecanismo em que investidores privados financiam projetos de interesse público e recuperam o capital investido se, e somente se, atingirem metas de impacto.
Ao contrário do que disse Lula, o bom governo convida o investimento privado para o bem público. Mas o que ele e seu partido fizeram foi simplesmente dispensar recursos públicos para benefício privado e, ainda assim, criticar as privatizações. Uma hipocrisia irresponsável, que não somente paralisou os investimentos nos últimos anos como obstruiu o acesso da população brasileira a serviços públicos de maior qualidade e alcance.
Fonte: Veja, 03/08/2016.
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