Diante de um 2021 ainda incerto — tanto em relação à evolução de uma nova onda de contágio de covid-19, quando à maturação de uma agenda de reformas — uma pergunta ainda sem resposta é: como continuar apoiando cidadãos mais vulneráveis em meio à crise do coronavírus sem espaço fiscal?
Para Fabio Giambiagi, um dos maiores especialistas em finanças públicas do país, é preciso levar em conta que a expectativa para o ano que vem é de um ganho perto de 4% para a economia, ante uma previsão que girava em torno de um recuo de 8% no início da crise: “Não faz sentido ter o mesmo tipo de políticas que se imaginava quando se temia uma catástrofe maior ainda”, diz à EXAME.
Para o especialista, os dois próximos anos — 2021 em especial — devem servir como ponte para 2023, fazendo alusão ao programa Ponte Para O Futuro, lançado em outubro de 2015 pelo PMDB, partido do então vice-presidente da República Michel Temer. O documento, que foi base da gestão que sucedeu o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, trazia uma série de prioridades para a administração, calcadas no ajuste das contas públicas.
“A oposição tem chances de chegar ao governo em 2023 e deveria ter interesse em que o país chegue lá com uma economia ordenada”, diz. Se o governo de Bolsonaro for reeleito, para ele, terá que ser mais modesto nas suas ambições.
“E em 2023, como se diz no carteado, embaralhar e dar as cartas de novo, em outro ambiente político”, diz.
Acompanhe os principais pontos da entrevista:
Tudo indica que não haverá a mesma tábua de salvação fiscal a empresas e trabalhadores que houve no início da crise do coronavírus. O que podemos esperar dessa situação e como atender juntamente às necessidades de socorrer fiscal e social?
Giambiagi: Penso que essa questão tem que ser colocada à luz da situação do nível de atividade. Com a perspectiva de crescimento do PIB negativo deste ano convergindo para um número mais perto de menos 4% e as projeções que apontam para um crescimento do PIB ano que vem entre 3,5% e 4%, penso que não faz sentido ter o mesmo tipo de políticas que se imaginava quando se temia uma catástrofe maior ainda, com números para este anos chegando a menos 8%. Temos que caminhar rumo a uma certa normalização da política econômica em 2021.
Mesmo que a chamada segunda onda não se agrave no Brasil ou que a vacina apareça antes do esperado, o país ainda terá de lidar daqui para frente com uma situação difícil, com uma dívida bastante elevada. O que é viável de se fazer agora? Seria suficiente uma sinalização ao mercado de que estamos adiantando discussões sobre a redução do ritmo da dívida?
Giambiagi: Em 2016, se falou muito de um documento na época denominado de “Ponte para o futuro”. Analogamente, penso que temos que encarar 2021 como uma espécie de “Ponte para 2023”. O atual governo começou com uma certa pregação que eu denomino de “refundacional”, com uma pregação que praticamente acenava com refundar o capitalismo brasileiro em novas bases. Agora terá que ser mais modesto nas suas ambições.
Por outro lado, a oposição (e aqui incluo também grupos de centro que colaboraram com seus votos para aprovar a reforma previdenciária) tem chances de chegar ao governo em 2023 e deveria ter interesse em que o país chegue lá com uma economia ordenada. Portanto, o esforço de todos deveria ser no sentido de chegarmos a dezembro de 2022 com uma economia em crescimento, com inflação na meta, juros baixos e déficit público em declínio.
Alguns políticos vêm prometendo avançar nos planos de uma renda básica que funcione como uma continuação do auxílio emergencial em grandes capitais. Como o senhor vê essa questão, tendo em vista que o orçamento dos estados e municípios já é muito comprometido com servidores inativos? É possível continuar “ignorando” a questão da previdência nas cidades ou essas duas pautas (previdência e socorro pós-pandemia) devem se chocar agora?
Giambiagi: Minha visão é que é impossível tratar dessa questão no curto prazo. O risco fiscal é enorme e estamos andando sobre gelo fino. Querendo endereçar essa questão, podemos causar um problema fiscal de enorme magnitude, que afete inclusive a estabilidade financeira do país.
Vejo esse tema como importante, mas no contexto que eu chamo de “nova pactuação política” que emanaria das eleições de 2022, em qualquer cenário (mesmo com reeleição do Presidente) e que implicaria uma abordagem conjunta de três questões: o Renda Brasil, a mudança do teto e o aumento da carga tributária para financiar o desequilíbrio fiscal. Não vejo a menor possibilidade de avançar conjuntamente nesse campo no horizonte de 2021.
O Brasil está entrando, novamente, em um cenário de dominância fiscal? O que pode explicar esse cenário e o que temos de diferente agora para enfrentá-lo?
Giambiagi: Não vejo que estejamos ainda nessa situação, mas certamente corremos esse risco. O que precisamos é de reafirmar o compromisso com o teto no atual governo, mostrar que o cumprimento dele é viável até 2022 e “tocar o barco” para chegar numa situação, se não confortável (definitivamente não é o caso) há condições de que seja minimamente razoável a 2022, com economia crescendo em torno de 2%, déficit público entre 6 e 7% do PIB e dólar e juros (esperemos) sem grandes sobressaltos. E em 2023, como se diz no carteado, “embaralhar e dar as cartas de novo”, em outro ambiente político.
Fonte: “Exame”, 24/11/2020
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