“O maior benefício da Lei de Acesso à Informação será a ampliação do controle social.” Com essas palavras o fundador da ONG Contas Abertas e especialista do Instituto Millenium, Gil Castello Branco, define a importância da divulgação das informações de interesse público no Brasil. Em entrevista exclusiva ao Imil, o economista analisa os avanços e retrocessos da transparência na esfera pública e acena com a necessidade de uma mudança na cultura nacional. “A cultura do brasileiro ainda é mais para o sigilo e para o secreto, do que propriamente para a informação aberta. Vamos ter que mudar essa cultura”, declarou.
Leia a integra da entrevista:
Instituto Millenium: No artigo “Mundo de segredos”, o senhor se refere à Lei de Acesso à Informação como a “lei da moda” no Brasil, enquanto em outros países ela já foi implementada há muito tempo. Quanto o país está atrasado em relação à transparência?
Gil Castello Branco: O Brasil é considerado avançado no que diz respeito à transparência ativa, ou seja, em relação àquelas informações que o governo disponibiliza sem necessidade de solicitação. Por outro lado, o Brasil é atrasado na transparência passiva, isto é, as informações que o cidadão deseja obter e não encontra nos sites governamentais. A Lei de Acesso à Informação vem suprir essa dificuldade.
Imil: Como os outros países lidam com a questão do fornecimento das informações?
Gil Castello Branco: A Casa Branca disponibiliza, desde 1995, informações como o nome, o cargo e a remuneração anual de todos os seus servidores. No Brasil, o acesso às informações está sendo discutido agora. Isso mostra a defasagem que temos em relação a esse tipo de informação. Neste momento, estamos vivendo uma guerra de liminares para ver se a transparência irá prevalecer ou não e se os cidadãos conseguirão saber quais são efetivamente os salários dos servidores públicos brasileiros.
Imil: Pode-se creditar o atraso em relação à questão do acesso as informações à recente história de democratização do Brasil?
Gil Castello Branco: Somos uma democracia relativamente jovem. Tivemos um período de desinteresse do cidadão pelas contas públicas até mesmo em função de uma inflação elevada durante muitos anos seguidos. A inflação muito elevada, associada à ditadura militar, afastou uma parcela da sociedade do Estado durante um bom tempo. Agora, está começando a acontecer uma reconciliação em função da democracia consolidada e de uma inflação debelada a patamares internacionais.
Imil: É possível prever se a Lei de Acesso à Informação terá sucesso no país?
Gil Castello Branco: Como dizia Thomas Jefferson, ex-presidente dos EUA, mais importante do que a elaboração da lei é a sua efetiva aplicação. Temos leis recentes que favorecem muito a transparência como foi o caso da Lei Complementar nº 131, que obrigava a União, os estados e os municípios a colocarem suas contas na internet. Nesse momento, todos os municípios com mais de 50 mil habitantes já estão obrigados a colocar suas contas na internet.
No caso da Lei Complementar 131, há problemas no conteúdo, na atualização e na usabilidade dos sites municipais. Temos sites muitos precários que não possibilitam efetivamente o controle social. A Lei de Acesso à Informação, que é mais recente, também apresenta problemas. Haja vista a questão dos salários. Além da questão do salário, que talvez tenha sido o maior tabu da lei, existem vários órgãos que estão protelando para fornecer as informações.
No Contas Abertas, por exemplo, fizemos pedidos a Câmara das notas fiscais das despesas efetuadas pelos deputados com a verba indenizatória e eles disseram que as notas ainda estão sendo digitalizadas. Pedimos informações sobre as viagens internacionais dos 11 ministros neste ano ao Supremo Tribunal Federal (STF). O Supremo disse que a lei ainda esta sendo regulamentada dentro do próprio tribunal. Havíamos pedido o nome do ministro, o período da viagem, os locais de destino e os objetivos da viagem. Esses são apenas dois exemplos entre vários outros em que as respostas acabaram não chegando.
Imil: Quais podem ser os primeiros benefícios dessa Lei?
Gil Castello Branco: Ainda temos que ter grandes aprimoramentos, sobretudo, na mudança da cultura. A cultura do brasileiro ainda é uma cultura mais para o sigilo e para o secreto, do que propriamente para a informação aberta. Vamos ter que mudar essa cultura.
Essas leis de transparência não vão começar a funcionar em um prazo curto. Vamos ter um longo período pela frente até que exista a consciência de que o Estado somos nós. O maior benefício que essas leis certamente trarão será a ampliação do controle social. Porque não se pode falar em controle da sociedade se não pela transparência e pelo acesso à informação. O controle social ampliado permitirá o aprimoramento da qualidade e da própria legalidade do gasto público.
Imil: No Brasil, a aplicação das novas leis sempre é marcada por avanços e retrocessos, como no caso da permissão para que políticos “contas sujas” disputem as eleições de outubro. Como o senhor vê essa situação?
Gil Castello Branco: Infelizmente vivemos esse caminho, dando dois passos para frente e um passo para trás. Porque não basta que as leis sejam assinadas. Na verdade, essas leis modificam a cultura e os hábitos da sociedade. Portanto, elas custam a ser efetivamente implementadas. Temos que conviver com isso e continuar lutando para que essa implementação se dê no menor prazo possível.
Imil: O senhor acredita que a pressão pública pode fazer esse instrumento funcionar da forma correta?
Gil Castello Branco: Não tenho a menor dúvida. Só a pressão da sociedade garantirá a eficácia dessas leis. O Brasil é um país efetivamente muito grande e é muito difícil, por exemplo, para qualquer órgão público fiscalizar 5.564 sites que terão que prestar informações sobre a transparência municipal. Portanto, a sociedade vai ter que participar, cobrar e entender que essas leis beneficiam o próprio cidadão e a democracia.
Imil: O senhor acredita que a Lei da Ficha Limpa pode conferir outro status à informação pública e à transparência em nossa cultura?
Gil Castello Branco: Até pela forma como surgiu a Lei da Ficha Limpa representa um anseio da nossa sociedade. Queremos que os nossos representantes sejam pessoas dignas e que, portanto, não tenham tido embaraços ou condenações anteriores junto ao poder público.
Como dizia Montesquieu “quando vou a um país não procuro saber sobre as leis que lá existem, mas sim sobre aquelas que são efetivamente aplicadas”. Então precisamos que a Lei da Ficha Limpa seja aplicada na íntegra. Precisamos combater os recuos dessas leis, como no caso dos “contas sujas” que vão participar do pleito.
No Comment! Be the first one.