Os desafios do ministro Joaquim Levy são enormes e sempre surgem informações de que o rombo fiscal é maior do que se imaginava. Relatório do TCU aponta R$12,2 bilhões (a preços de junho de 2014) de atrasos em repasses de recursos a bancos públicos apenas no primeiro semestre de 2014, segundo a imprensa. Não está claro se no cômputo estão incluídos os repasses atrasados a entes subnacionais e INSS, e não foram divulgados os atrasos acumulados dos anos anteriores.
São as chamadas “pedaladas”, que não estão incorporadas ao cálculo do resultado primário apurado pelo Banco Central, por se utilizar o critério de caixa e não de competência. Cabe ressaltar a importância de se eliminar essas brechas, fortalecendo a Lei de Responsabilidade Fiscal.
[su_quote]Se o time econômico conseguir reduzir a inflação, já terá marcado um tremendo gol[/su_quote]
Além das “pedaladas”, há mais despesas a serem reconhecidas. Um exemplo é o subsídio do PSI do BNDES, cujo impacto em 2015 será de R$6 bi. De quebra, foi aprovado o socorro às empresas de energia referente ao último bimestre de 2014 totalizando R$2,5 bi. Há também os custos adicionais da alta de 8,8% do salário mínimo, estimada em R$22bi pelo governo.
A dinâmica das contas públicas preocupa, pois as despesas têm crescido em ritmo mais rápido que as receitas recorrentes, que poderão ser bastante afetadas pela fraqueza da atividade e a possibilidade de adiamento no pagamento de tributos, em parte estimulada pelo Refis. Será preciso adotar medidas para alinhar essas tendências. Até lá, o Tesouro dependerá bastante do “controle de boca do caixa”.
Não convém, no entanto, subestimar a clareza e a capacidade do ministro. Com o devido senso de urgência e consciente da importância de recuperar a confiança dos agentes econômicos, o time econômico vem proporcionando uma sequência de anúncios na direção do ajuste fiscal.
Começou com o anúncio das metas fiscais de 1,2% do PIB em 2015 e 2% em 2016 sem descontos, a utilização de parâmetros mais realistas para a elaboração do orçamento federal e o foco na dívida pública bruta, que significa impor restrições à ação dos bancos públicos.
O ministro do Planejamento Nelson Barbosa anunciou ajustes em alguns programas sociais, totalizando economia de R$18 bi em 12 meses.
Houve também sinalização de elevação de alguns impostos como a volta da Cide (R$ 3,7 bi) e redução da renúncia fiscal das LCIs e LCAs (entre R$3,5 bi e R$7,5 bi).
Mais concretamente, foi feito o ajuste da TJLP para 5,5% (devem vir outros) e a aperto das condições de financiamento pelo BNDES. Há também a recomposição do IPI para automóveis e aprovação de novo modelo de tributação de bebidas frias.
Também foi estabelecida regra mais restritiva para a liberação de recursos até que ocorra a publicação da Lei Orçamentária, substituindo a regra do duodécimo para 1/18 avos, e foi anunciado o cancelamento dos R$9 bi previstos para a conta de energia (CDE), substituído por realismo tarifário.
Além do equilíbrio fiscal, o ministro também deixa claro os princípios gerais de sua gestão: transparência e zelo na gestão da política fiscal, com crítica ao patrimonialismo.
Apesar da habilidade do ministro, não faltam razões para ceticismo, pois os problemas se avolumaram e a opacidade das contas públicas deixa a sensação que pode ter muito esqueleto dentro do armário a ser revelado.
Além disso, diante da incoerência entre as promessas de campanha e o discurso do time econômico, há grande dificuldade para um apoio claro do Planalto ao ajuste fiscal. A ambiguidade do discurso do governo acaba limitando o impacto das medidas fiscais sobre as expectativas dos agentes econômicos.
Apesar das dificuldades, o fato é que desinflar o fiscal e o chamado para-fiscal (créditos de bancos públicos) poderá ajudar bastante a reduzir inflação. Com a macroeconomia entrando nos trilhos, abre-se espaço para alívio do setor privado e volta do crescimento adiante, ainda que moderado.
Se o time econômico conseguir reduzir a inflação, principalmente de serviços e salários, que retira a competitividade da indústria nacional, já terá marcado um tremendo gol, mesmo que os resultados fiscais decepcionem.
Com salários em dólar recuando, a indústria pode iniciar uma recuperação, com melhora da confiança dos empresários e repercussões sobre os demais setores da economia. A atividade ganhando impulso torna menos desafiador o objetivo de estabilização da dívida bruta sobre o PIB.
Qual o tamanho do ajuste necessário para a inflação convergir para meta no próximo ano, conforme pretendido? Provavelmente é menor do que aquele necessário para estabilizar a relação dívida-PIB, em torno de 2,5% do PIB de superávit primário.
O cálculo não é nada simples, e não há resposta clara sobre o conceito de estímulo fiscal a ser utilizado: o nível do superávit estrutural ou sua variação? Se for variação, qual o ponto de referência ideal? O ano anterior, a média histórica ou o projetado?
Adicionalmente, é importante levar em consideração o mix do ajuste entre aumento de receita e redução de despesa. Corte de despesas é melhor do que aumento de tributos para o combate à inflação. Adicionalmente, há sinais de redução dos multiplicadores fiscais, indicando menor eficácia da política fiscal em promover crescimento, tal que o efeito do impulso fiscal sobre a inflação pode ser subestimado quando considerado o efeito da política fiscal via seu impacto na atividade. Também é importante considerar a concessões dos bancos públicos e a elevação da TJLP. É possível encontrar evidência que os gastos do governo federal e as concessões de bancos públicos têm sido igualmente importantes na dinâmica de inflação de preços livres.
Quanto mais rápido o ajuste, melhor. Pelo modelo econométrico utilizado, serão necessários de 2 a 3 trimestres para a materialização do efeito do corte de gastos e das concessões de crédito sobre a inflação de preços livres.
Será preciso ter paciência e persistência para aguardar os benefícios do ajuste. Mudar a estratégia precocemente seria um grande equívoco.
Fonte: Monitor Digital,16/1/2015
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