No Brasil, não basta ganhar as eleições presidenciais. O vencedor precisa formar e coordenar uma coalizão. Seu partido elegerá no máximo 70/75 deputados, mas necessitará de no mínimo 308 votos para aprovar emendas constitucionais. A proporção é semelhante no Senado.
A renovação do Congresso será muito pequena. O padrão mental e os costumes de sempre continuarão a ditar a forma como serão feitas as negociações. Grande parte manterá a dependência do voto de corporações e de interesses paroquiais.
Construir a maioria não será suficiente, pois ela se forma em cada votação relevante. O presidente precisa ter, além de liderança e legitimidade, habilidades para articular o apoio a seus projetos essenciais, caso a caso.
No presidencialismo de coalizão, que implica o compartilhamento do poder, o chefe do governo assume o papel de coordenador do jogo político. Compartilhar é distribuir postos ministeriais.
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O presidente tem uma cota pessoal, que compreende pelo menos a Fazenda, o Planejamento e a Casa Civil. Os demais ministros são indicados pelos partidos da coalizão. É assim em países onde o vencedor não tem a maioria no Parlamento.
Formar o ministério é obra de engenharia política. É preciso demonstrar perícia e arte para contemplar aliados, regiões do país, mulheres e representantes de segmentos econômicos e sociais.
A promessa de um presidenciável de anunciar o ministério antes de se eleger revela sério desconhecimento do processo. Tampouco faz sentido recusar escolhas por indicações políticas. Ou governar com os melhores. Nem sempre é possível escolher.
Nomear um superministro da Economia pela fusão de ministérios, sem extinguir suas funções, não faz sentido. A ideia de que esse ministro terá carta branca desconhece que é o presidente quem governa e que as decisões básicas são do Congresso. Enfeixar tanto poder nas mãos de uma única pessoa vai criar conflitos e ineficiências.
Há três recursos de poder para exercer a coordenação. Primeiro, nomeações para os cargos de ministro e para posições do segundo escalão. Segundo, liberação de emendas parlamentares. Terceiro, habilidade pessoal. Impossível fugir dessa realidade.
O terceiro é o mais relevante. Pressupõe alta inteligência emocional, equilíbrio, paciência, capacidade de articulação, entender a relação com o Congresso, um bom auxiliar da coordenação política e a arte de lidar com os parlamentares.
É preciso identificar formadores de opinião, quem é mais confiável e os que merecem atenção e prestígio. Há que saber quem convidar para viagens e para recepções palacianas. Um quê de encanto é crucial. Tudo isso requer experiência. Não se faz um líder político eficaz da noite para o dia.
Negociar com base em princípios só será possível (e olhe lá) quando tivermos partidos programáticos, não hoje.
A forma atual de negociar constitui uma das regras do jogo, mas pode ser fatal o uso da corrupção para aliciar apoios.
É necessário saber transmitir mensagens e obter apoio da opinião pública para o programa de reformas, pois isso reforça a capacidade de articulação política. Presidentes impopulares perdem o poder de agenda.
Por último, o baixo clero sabe que a democracia funciona no plenário, isto é, a vontade da maioria prevalece. O baixo clero é maioria e pode vetar reformas. O desafio é negociar sem sucumbir à vontade desse grupo, que costuma andar de braços com o corporativismo e a irresponsabilidade fiscal.
Em resumo, como disse Tom Jobim (1927-1994), “o Brasil não é para principiantes”.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 19/09/2018