Menos de quatro horas após anunciar a nova tabela que estabelece preços mínimos para o frete, o governo cedeu à pressão dos caminhoneiros. Em vídeo gravado e divulgado por representantes da categoria, o ministro dos Transportes, Valter Casimiro, prometeu revogar o documento que reduzia em 20%, em média, o custo do transporte, ao incluir caminhões com vários tipos de eixo no tabelamento. Segundo a assessoria da pasta, o ministro autorizou a gravação das imagens. A decisão foi tomada no fim da noite depois que os caminhoneiros apareceram de surpresa no ministério e ameaçaram uma nova paralisação da classe. Casimiro, então ligou para o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, que deu o aval para o cancelamento da nova tabela. Na gravação, o ministro, diz que um novo documento será elaborado nesta sexta-feira na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e pede que os representantes da categoria compareçam ao órgão.
A fixação de uma tabela de frete era uma das bases do acordo fechado pelo governo com os caminhoneiros para encerrar a paralisação, que durou dez dias e resultou numa crise de abastecimento no país. O setor produtivo, especialmente o agronegócio, porém, reagiu ao aumento dos custos previstos com a divulgação da primeira tabela, o que tinha motivado o governo a rever os valores.
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Segundo fontes, os caminhoneiros exigem que o governo retire da listas de exceções na nova tabela os preços mínimos para os caminhões grandes, que transportam produtos do agronegócio e que precisam de autorização especial do Dnit para trafegar.
Com o recuo, fica valendo a tabela que entrou em vigor no dia 30 de maio. O documento editado nesta quinta pela ANTT substituía essa tabela, que gerou várias críticas e paralisou o transporte de carga do país por causa de aumento nos custos e insegurança jurídica.
— Estou sentado aqui com alguns representantes dos caminhoneiros (…) para tornar sem efeito essa resolução pela ANTT. Vai voltar a anterior para que a gente possa discutir com todos a fim de elaborar uma nova tabela factível, que represente o custo real do transportes de cargas — disse o ministro no vídeo.
Enquanto governo, indústria e caminhoneiros discutem o valor mínimo de cobrança, quase 20 dias após o início da greve dos caminhoneiros, o transporte de carga segue parado no país, à espera de uma definição para rever sua estrutura de custos.
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Antes mesmo da decisão do governo, o presidente da União Brasileira dos Caminhoneiros (Unicam), José Araújo Silva (China), havia afirmado que a nova tabela tinha ficado ruim para a classe, porque o preço mínimo do frete iria cair.
— Acho que essa questão ainda vai longe — disse China, antes do governo decidir revogar a portaria no fim da noite de ontem.
A condução do assunto pelo governo é alvo de críticas:
— Tabelar o custo do frete é absurdo, por ferir o direito de concorrência. Depois, houve o erro do cálculo. O governo se colocou numa encruzilhada, prometendo algo que não pode cumprir, pois os custos são diversos no setor — avalia Maurício Lima, sócio-diretor do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos).
O tabelamento do frete, diz ele, pode desencadear um processo em que setores produtivos mais fortes consigam condições diferenciadas de preço. Outro risco, destaca Lima, é que o aumento do custo do frete sufoque justamente os caminhoneiros autônomos:
— Ao tabelar o valor do frete, piora o valor do autônomo. Os embarcadores e transportadoras podem optar por comprar veículos ou contratar esses motoristas diretamente. Ou seja, é um risco grande também para as transportadoras.
EMPRESAS OBTÊM LIMINAR NA JUSTIÇA
Antes da divulgação da nova tabela, a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) chegou a encaminhar ofício ao presidente Michel Temer pedindo a suspensão da MP que permite esse dispositivo. Segundo a entidade, o custo do frete de produtos agropecuários pode resultar em acréscimos de até R$ 13 mil em alguns tipos de carga.
Produtores e exportadores de soja, cereais e café suspenderam os despachos rodoviários devido à indefinição no preço do frete. Argumentam que não é possível incorporar um custo não previsto na época em que os contratos foram fechados.
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— O tabelamento está travando a comercialização. O custo sobe em R$ 50 a R$ 80 por tonelada para levar o produto até o porto, num momento em que o preço da soja recuou em R$ 3 a R$ 4 por saca. É uma trava logística que pode trazer problemas aos acordos comerciais internacionais do Brasil — diz Bartolomeu Braz, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), destacando que a entidade vai recorrer a Justiça para pedir a suspensão do tabelamento do frete.
A Justiça Federal do Rio Grande do Norte concedeu liminar suspendendo os efeitos da MP que instituiu a política de preço mínimo no frete. A decisão atende pedido de duas empresas do estado (L. Praxedes Gomes e Maresal Sociedade Salineira). Elas ficam desobrigadas de adotar a tabela de preços. No despacho, o juiz Orlando Donato Rocha destacou que a medida é inconstitucional por revelar intervenção do Estado na economia.
Fonte: “O Globo”