Dez entre dez planejadores financeiros darão a seguinte orientação a alguém que esteja no vermelho: para reequilibrar as contas, é preciso aumentar a receita ou diminuir a despesa — quem sabe até, dependendo da gravidade do caso, fazer as duas coisas. A obviedade sempre irrita o devedor — afinal, não é nada fácil, nem confortável, aumentar a entrada de recursos, muito menos ainda cortar gastos. Isso vale tanto para milhões de famílias brasileiras endividadas como para o governo de Jair Bolsonaro, que vive grave problema fiscal. A situação é tão calamitosa que o Congresso já autorizou, no Orçamento anual, um déficit de 139 bilhões de reais para 2019 — mas o “cheque especial” não foi suficiente. Faltando ainda quatro meses para a virada do ano, diversos órgãos públicos já estão com a corda no pescoço e ameaçam paralisar ou diminuir drasticamente os seus serviços, como é o caso do Exército, da FioCruz e da Receita Federal.
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A verdade é esta: o dinheiro acabou, e não há caminho simples para reequilibrar as contas. A saída de curto prazo é um pedido do presidente da República ao Congresso Nacional para que autorize o aumento do limite de despesas. A manobra, contudo, não resolve o problema em definitivo: no próximo ano, o rombo seria ainda maior. A única — e urgente — solução é levar adiante as reformas estruturais que atacarão os dispêndios da União, ou seja, as mudanças na Previdência (já aprovadas pela Câmara), no Pacto Federativo e na Administração Pública. “Sem as reformas, as contas vão começar a não fechar mais”, alerta Guilherme Afif, assessor especial do Ministério da Economia.
Enquanto as reformas não vêm, os órgãos do Estado já estão em modo de gestão espartana. Haja o que houver, as luzes nos edifícios do Ministério da Economia, por exemplo, estão sendo desligadas às 18 horas. A medida reduz o gasto com eletricidade e impede o acúmulo de horas extras por parte dos servidores. O Exército foi mais longe e colocou a tropa em regime de meio expediente. Quando Bolsonaro anunciou que os radares móveis de velocidade seriam cortados, ele deixou de comentar que a Polícia Rodoviária Federal já esgotou todo o orçamento do ano e não tem mais caixa para alugar os equipamentos. Está em curso o “shutdown branco”, termo inspirado no “shutdown” americano, empregado sempre que serviços públicos são interrompidos por falta de verbas. Como aqui a interrupção não é abrupta, usa-se o adjetivo “branco”.
A hipótese de aumentar receitas por meio de tributação está afastada. Com a economia travada, a arrecadação de impostos estanca junto. Na quinta-feira 29, dados do IBGE mostraram que o PIB cresceu 0,4% no segundo trimestre (leia mais). Assim, resta ao governo recorrer aos bancos públicos e a leilões de petróleo. Do BNDES, no entanto, voltarão para a União apenas 2 bilhões de reais até setembro — a instituição tem aproximadamente 100 bilhões de reais em caixa, graças à recente venda de suas participações em outras empresas, porém uma determinação contábil e estatutária impede que os recursos sejam repassados ao Estado antes do fim do segundo semestre. Na Caixa, os recursos não chegam a 4 bilhões de reais. Some-se isso ao dinheiro esperado do leilão da cessão onerosa do pré-sal, e o governo conseguirá fechar 2019 dentro do déficit previsto. Entretanto, como está no vermelho, ele precisará pedir ao Congresso o aumento do limite do “cheque especial”. No momento, são necessários 20 bilhões de reais extras.
Não há salvação fora das reformas. Se tudo permanecer como está, o problema será mais grave em 2020: o dinheiro poderá acabar ainda no primeiro semestre. Nas discussões do Orçamento do ano que vem — que estão atrasadas desde julho —, o Congresso já trata como certa a liberação ao Executivo de 265 bilhões de reais em créditos suplementares, quer dizer, em emissão de dívida, para evitar que o governo estanque. Para 2019, foram concedidos 249 bilhões de reais nessa rubrica. É insustentável. O governo precisa acelerar a agenda econômica. Depois de aprovado o projeto da Nova Previdência no Senado — a PEC deve ser votada na Comissão de Constituição e Justiça nos próximos dias —, o foco de atuação deve se voltar para as mudanças tributárias, administrativas e do Estado. Essas três medidas, conjuntamente, podem impulsionar a arrecadação fiscal, abrir espaço para a demissão de servidores ou flexibilização de sua jornada de trabalho e desvincular receitas de áreas como saúde e educação. As despesas da União com folha de pagamento, de ativos e inativos, tomam 67% de todo o Orçamento. Neste ano, os gastos discricionários — aqueles em relação aos quais o governo tem alguma margem de manobra — representam 6,6% do total. “Como o gasto corrente cresceu muito em razão das determinações da Constituição de 1988, uma hora a conta não iria fechar. Sem margem para investimentos públicos, não crescemos — cometemos um ‘austericídio’ ”, afirma o economista Raul Velloso.
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Qualquer medida de curto prazo será ineficiente para evitar apagões no serviço público. Executivo e Legislativo devem buscar uma solução que permita cortar a folha de pagamento e melhorar o uso de tecnologia na administração. “Não há evidência alguma no mundo de que apenas cortes são suficientes para balancear as contas públicas”, garante o professor Istvan Kasznar, da FGV. Todo governo em início de mandato se atrapalha devido à herança da gestão anterior. Depois de doze meses de comando, com os problemas já mapeados, as soluções precisam começar a sair do papel. As reformas e as privatizações são mais urgentes do que nunca.
Fonte: “Veja”