O plano do governo de reduzir o déficit primário das contas públicas de R$ 170 bilhões em 2016 para R$ 139 bilhões em 2017 ainda é pouco ambicioso, na avaliação do economista Aloisio Araujo, professor e pesquisador do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa) e da EPGE, escola da FGV do Rio. O ideal, diz ele, seria reduzir esse valor, mas o presidente em exercício Michel Temer optou por um ajuste gradual.
Embora elogie a equipe do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, Araujo destaca a importância de aprovar uma reforma da Previdência, com transição rápida, inferior a dez anos, depois da votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que cria um teto para os gastos públicos.
Doutor em estatística pela Universidade da Califórnia, em Berkeley, e um dos mais premiados economistas brasileiros, Araujo reúne, entre esta semana e a próxima, no Rio, os prêmios Nobel Robert Lucas e Eric Maskin, em dois eventos acadêmicos para marcar a comemoração de seus 70 anos. A seguir, os principais trechos da entrevista:
O que achou da meta fiscal?
Do ponto de vista econômico e da credibilidade, seria muito desejável fazer um ajuste mais rápido. Passar de (déficit primário) R$ 170,5 bilhões para R$ 139 bilhões é pouco. Deveria fazer mais. O que justifica estar cedendo às pressões políticas. Seria melhor demonstrar mais liderança, colocar-se numa posição mais difícil, mas que desse mais segurança de que a gente vai fazer a transição para uma situação fiscal melhor. Não é fácil, mas o governo deveria ser mais agressivo nessa queda do déficit.
É possível obter receita extra com privatizações?
Espero que sejam oferecidas muitas concessões. Ainda mais que o governo agora vai dar mais valor à outorga, não vai fazer modicidade tarifária (exigir tarifas muito baixas) nem vai pedir muitos investimentos. Então, é possível. Tem vários aeroportos para serem privatizados. Agora, depende do sucesso dos leilões.
Esperava chegar aos 70 anos diante de tamanha recessão?
Não. Realmente é muito decepcionante. Essa recessão tem três componentes. Uma delas é a queda dos preços de commodities, que é fora do nosso controle, embora devêssemos saber que estavam muito altos em termos históricos. Outro componente é essa crise política e institucional. Acho que a sociedade decidiu que não quer mais conviver com esses crimes de corrupção. Não é nem questão de saber se vale a pena ou não fazer o combate à corrupção, porque ele tem um custo elevado, mas não é nele que a sociedade está interessada. A sociedade de repente escolhe prioridades. Só acho que tem de ter uma celeridade no combate à corrupção, se não o custo fica mais alto ainda.
E qual o terceiro componente?
É o único lastimável, pois é do nosso controle. Foi o excesso de gastos. Sargent e Wallace (economistas americanos; Thomas Sargent foi laureado com o Prêmio Nobel em 2011) diziam há muito tempo que você tem de olhar para a restrição intertemporal do governo, porque se não os governos vão à falência, com a dívida crescendo muito mais do que a economia. A gente brincou muito com isso. Os keynesianos (seguidores da linha do economista inglês John M. Keynes) defendem que o aumento de gastos recupera a economia. Isso depende das características (do País). O Brasil sempre teve o risco elevado, nunca tivemos situação fiscal boa. Não adianta dizer que outro país gastou e, portanto, nós podemos gastar. Outros países não têm esse nível de risco nos bonds (títulos da dívida pública, negociados no mercado), não adianta espernear.
Por que os gastos públicos cresceram tanto?
O País tem uma distribuição de renda ruim e tem democracia, então as pessoas votam com o bolso. Isso é um fenômeno internacional. As pessoas mais pobres têm uma quantidade de votos muito grande e querem transferência de renda.
Isso é um traço estrutural que leva ao gasto excessivo?
Isso é uma decisão da população através do voto. É um dado, uma dificuldade nossa. Isso é uma razão mais forte ainda para que o governo não faça gastos que não sejam esses (de transferência de renda).
O que fazer na política fiscal?
É preciso fazer uma reforma da Previdência rápida, em cinco, menos de dez anos. A transição tem de ser em menos de dez anos. Não pode fazer uma transição longa, porque como tem a PEC do teto dos gastos públicos, se a transição for longa, ela vai comprimir os outros gastos, como ciência e tecnologia, saúde e educação, que devem ser preservados.
Por que tem de ser rápida a transição?
Se governo por idade mínima de 65 anos ou até 70 anos, mas só valer para quem vai começar a trabalhar agora ou está trabalhando só há dez anos, não adianta. A conta não fecha. O governo é realista quando diz que os gastos não podem subir em termos reais. Agora, com esses gastos, ainda temos déficit fiscal. É preciso zerar o déficit e depois ter algum superávit para reduzir a relação entre dívida e PIB.
Com a nova equipe econômica, o terceiro componente da recessão está resolvido?
O Joaquim Levy tinha uma visão e uma equipe econômica muito boas, mas não tinha apoio integral do governo e menos ainda da oposição, então ficou inexequível a mudança na política econômica. Essa nova equipe tem projetos muito bons. A oposição atual já não era a favor de reformas antes, quando estava no governo, será menos agora. No governo, há indícios de que há setores importantes apoiando, o presidente em exercício fala de forma mais clara (a favor de reformas), mas temos de ver se os deputados vão votar uma reforma da Previdência.
Fonte: O Estado de S.Paulo.
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