O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove), André Nassar, foi enfático ao dizer que “o erro principal” do agronegócio brasileiro é a falta de alinhamento de discurso, “principalmente no nível do governo federal”. “Talvez a gente não consiga mudar a lógica de como o governo pensa; governos são eleitos e o pensamento sempre vai ser na base da sociedade”, continuou, mas reforçou que é necessário um “alinhamento de discurso com o agro”.
Nassar defendeu ainda que o produtor que desmata ilegalmente tenha a oportunidade de se regularizar, com base na lei ambiental do Brasil, o Código Florestal. “O desmatamento tem, logicamente, que ser controlado, mas com a chance de o produtor poder se regularizar e não ficar congelado, sem ter como voltar a produzir”, disse. Segundo o presidente da Abiove, essa prática vai permitir que se fale lá fora que o Código Florestal funciona.
Nassar lembrou ainda que, apesar de a União Europeia considerar a soja como uma cultura de risco ambiental, desde 2008 apenas 8% da expansão da área de soja na Amazônia foi proveniente de áreas desmatadas. No Cerrado, de 2014 para cá, somente 2% foram derrubados para aumentar a área de soja.
Discurso correto
Na visão do presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Marcello Brito, o setor tem uma atuação “fantástica”, mas, para ser melhor julgado aqui e lá fora, é preciso que dirigentes entendam que “discurso é importante”. Brito falou sobre as discussões em torno da conservação da Amazônia e a forma como isso deve ser feito, em paralelo às atividades agropecuárias.
Para o presidente da Abag, é preciso contar mais sobre os benefícios que a conservação da região pode trazer para o País. “A Amazônia hoje é uma região pobre e difícil de desenvolver. A sociedade precisa entender qual é a ambição com a floresta protegida, o que a Amazônia conservada traz de vantagem ao País.”
Ainda para ele, o agronegócio brasileiro deve colocar foco em manter boas relações internacionais, comunicar corretamente as ações de preservação ambiental e se manter atento às novas tendências de consumo. “A mensagem dita para o eleitorado de fora (do País), que também é seu cliente e competidor, é que faz a grande diferença. Não sejamos ingênuos, os concorrentes não elogiam, e o jogo do mercado não é o jogo político”, afirmou Brito. O representante da Abag argumentou, ainda, que o partidarismo deve ser colocado de lado para que as relações comerciais do Brasil com outros mercados evoluam.
Algumas ONGs têm adotado discurso mais pragmático em relação à preservação ambiental aliada à produção agropecuária. Segundo o diretor executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), André Guimarães, que também é cofacilitador da Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura, a ONG que representa quer “a mesma coisa que o agro quer, a mesma harmonia no campo e desenvolvimento”, garantiu. “Mas para o bem da nossa contribuição (ambiental) lá fora e para o próprio futuro da agropecuária brasileira, temos de eliminar o desmatamento ilegal”, disse. “Espero que em 2021 o vento comece a soprar na direção correta.” Guimarães acrescentou que o setor agropecuário brasileiro também deve entender que “preservar a Amazônia e cumprir o Código Florestal são ativos brasileiros”.
Evidências
Ao citar a ex-ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, que dizia que, assim como a Amazônia “tira o Brasil do mundo”, também “coloca o Brasil no mundo”, provocou: “Então, por que não fazer um esforço coordenado para mostrar, com evidências, o que estamos fazendo (em termos de preservação ambiental no setor agropecuário)?”.
Guimarães afirmou também que conversa com muitas pessoas do exterior sobre o agronegócio brasileiro e elas não entendem que o produtor rural aqui tem direito, por lei, a desmatar. “Enquanto isso, a Amazônia e o nosso Código Florestal são atacados, embora a Amazônia seja de fato um problema com o qual temos de lidar.”
Para o presidente executivo da CropLife Brasil, Christian Lohbauer, porém, as críticas internacionais às políticas do governo do presidente Jair Bolsonaro e suas consequências para o agronegócio apenas potencializam um “problema que já existia”. “Os estrangeiros são influenciados pelo que os próprios brasileiros comentam. As nossas entidades (abrigadas na CropLife) vêm sofrendo por críticas ao agronegócio em geral, e o agro agora vem sendo avaliado como não seguro, por causa dos defensivos e outros temas, mas o governo Bolsonaro só potencializou um problema que já existia”, afirmou.
O diretor de Desenvolvimento Sustentável da Arcos Dorados – a maior franquia do McDonald’s no mundo, Leonardo Lima, reforçou que a política da companhia é não comprar insumos agropecuários provenientes de áreas desmatadas. “Somos uma empresa de mais de 50 anos e que pretende seguir por mais de 50 anos como Arcos Dorados”, disse, acrescentando que a empresa “não tem outra opção” a não ser olhar o que compra. Citou também que a empresa tem “planejamentos e compromissos públicos que vão além das exigências governamentais”. Lima informou que 90% do que a Arcos Dorados adquire é proveniente do próprio Brasil. “Hoje só a batata frita vem da Argentina”, mencionou.
Para ele, a agenda ambiental é essencial. “Se nós não atuarmos de forma responsável e não tivermos políticas de compras sustentáveis, sem olhar o amanhã, não teremos a empresa no amanhã.”
Agenda positiva
Além disso, complementou que o que a Arcos Dorados procura fazer é “ter políticas claras do posicionamento da empresa”. “Temos falado sempre do desmatamento, mas que tal passarmos a falar das coisas positivas? Em vez de falar do desmatamento, que tal falar da floresta que está em pé em vez e abordar a que foi derrubada?”, questionou. “Não que tenhamos de deixar de lado o problema do desmatamento; aquele que estiver ilegal é o primeiro da fila (a ser inibido); isso não tem discussão.”
Ele comentou que participa do Grupo de Trabalho de Pecuária Sustentável (GTPS) e que, em 2014, a Arcos Dorados firmou compromisso de não comprar carne de áreas desmatadas. Disse, porém, que se anteriormente o McDonald’s não comprava “um grama” de carne da Amazônia, reconhece que atualmente há áreas desmatadas e em recuperação e podem ter atividades desenvolvidas ali.
“Quando a gente olha a sustentabilidade, olhamos dois pontos – como se aumenta a eficiência e a produtividade e, na Amazônia, as áreas abertas já são mais do que suficientes para isso.” Ele defendeu, ainda, uma agenda positiva para o agronegócio brasileiro, tema que vem tratando dentro do GTPS. “Temos de dar luz a projetos positivos, tirar o negativismo da agenda ambiental do País”, exemplificou. “Temos de falar da pujança e exuberância da floresta amazônica como modelo de discussão e de como conseguimos alcançar o desenvolvimento com a floresta em pé.”
Fonte: “Estadão”, 02/12/2020
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