Não há como medir o fator legitimidade, mas ele poderá ser um divisor de águas no próximo ano, estabelecendo os alicerces do próximo governo.
Apesar do mal-estar com a estagnação da economia, há boas chances de haver uma inflexão do crescimento do PIB em breve, por fatores cíclicos. Mesmo estando a política monetária no campo contracionista, a interrupção da alta da Selic por si só tem impacto positivo na economia, pela sua influência sobre a curva de juros do mercado. E a superação do período eleitoral deverá contribuir para desengavetar projetos de investimento que têm sido adiados. Vale ainda considerar que a Copa do Mundo, grosso modo, prejudicou a economia em 2014, não sendo o caso em 2015.
Um crescimento do PIB em torno de 1% em 2015 parece factível. Mesmo sendo um resultado modesto, aquém do suposto potencial de crescimento de longo prazo (talvez em torno de 2%), a inflexão em si, interrompendo os números negativos ao longo de 2014, poderá reforçar expectativas mais benignas dos agentes econômicos.
Mas há outros elementos que podem ser decisivos para definir as chances de surpresas ou frustrações em 2015. O principal desafio (além do risco hidrológico) será o ajuste fiscal. Ainda que a intuição geral seja que um esforço fiscal que aumente do superávit primário em 2015 signifique menor crescimento da economia, isso pode não ser verdade, principalmente neste momento em que a política fiscal tem sido possivelmente prejudicial ao crescimento econômico. Ao gerar pressão de custos e elevação da inflação, a política fiscal perde sua eficácia. Além disso, ao piorar a confiança dos agentes econômicos, por conta também do intervencionismo estatal, prejudica o potencial de crescimento da economia no longo prazo.
O ajuste fiscal de curto prazo deverá ser enfrentado em várias frentes: corte de despesas discricionárias, reavaliação do ritmo de políticas públicas que necessitam revisão, redução das renúncias tributárias setoriais, ajuste de tarifas represadas e interrupção de repasses do Tesouro a bancos públicos.
Esse conjunto de medidas de curto prazo poderá melhorar a confiança de investidores e afastar o risco de rebaixamento da nota de crédito do país, com impacto sobre preços de ativos e decisões de investimento produtivo. Este último poderá ser bastante beneficiado pela queda mais rápida da inflação de custos que corrói margens das empresas; pelo desmonte de políticas setoriais ineficientes que geram perdas de produtividade na economia; e pelo reajuste de tarifas cujo represamento prejudica os setores direta ou indiretamente envolvidos.
A interrupção das transferências aos bancos públicos demandará desaceleração da concessão de crédito direcionado – BNDES, crédito imobiliário e rural, basicamente. A palavra de ordem é desinflar, inclusive pelas restrições de natureza prudencial. Assim como na política fiscal, é possível que o efeito líquido seja positivo para economia, e não o contrário.
A redução do crédito direcionado deverá abrir espaço para o crédito livre, cujo retrato atual é desolador. Enquanto o crédito livre subiu 3 pp como proporção do PIB desde a crise de 2008, registrando 30% do PIB em julho, o crédito direcionado dobrou, atingindo 26% do PIB. E as concessões estão praticamente estáveis desde meados de 2011. Isso decorre, em parte, da própria concorrência do crédito direcionado. Ao estimular o crédito direcionado, que tem taxas subsidiadas, o espaço para contratar o crédito livre tende a ser menor, tanto por ser substituto a algumas linhas de crédito livre, como pela concorrência pelo “bolso” do cliente. Isso sem contar a pressão que acaba produzindo sobre os spreads do crédito livre, por conta dos subsídios cruzados.
Assim, o rápido ajuste fiscal poderá, ironicamente, ajudar o crescimento no ano que vem, não devendo ter caráter contracionista como o esperado. Quanto mais rápido o ajuste, maiores as chances de se colher os frutos ainda em 2015. Importante ponderar, no entanto, que o mix de crescimento tende a ser alterado, o que será politicamente desafiador para o governo.
O quadro para o investimento poderá melhorar sensivelmente, pela redução das incertezas sobre os principais preços da economia, pelas referências críveis na condução da política macroeconômica e pelo menor intervencionismo estatal. Para os consumidores, no entanto, o alívio não virá rapidamente, exigindo habilidade do governante. O consumo das famílias, que já tem caído, pode ser mais afetado. O ajuste de tarifas e preços públicos represados terá impacto contracionista sobre a renda disponível dos indivíduos, por se tratarem de bens e serviços de difícil substituição (demanda mais inelástica). O grau de endividamento dos indivíduos é elevado, bem como o comprometimento da renda com o serviço da dívida, o que poderá limitar a recuperação do crédito para pessoa física. Adicionalmente, a taxa de desemprego deve subir.
A ação estatal vem contribuindo para reduzir a flexibilidade do mercado de trabalho, o que dificulta a retomada do crescimento. Salários pressionados, custo da folha elevado e margens comprimidas implicam baixo estímulo à produção e ao investimento. Assim, é necessário o ajuste do mercado de trabalho para abrir espaço para crescimento adiante. Quanto mais rápido, melhor.
O benefício do ajuste fiscal de curto prazo será maior se aliado a uma agenda de longo prazo para melhorar a qualidade do regime fiscal, com mais transparência e eficácia da ação estatal. Os agentes econômicos demandam política fiscal crível e sustentável ao longo do tempo. E a sociedade deseja políticas mais efetivas. A política fiscal colapsou e a recuperação desse instrumento de política econômica deve ser prioridade da agenda do próximo governo.
Postergar o ajuste poderá prejudicar não apenas 2015, mas o próprio mandato, pois poderá dificultar a discussão de uma agenda de reformas e medidas estruturais pró-crescimento.
A legitimidade do governo para dialogar democraticamente com a sociedade sobre a necessidade de ajustes será peça essencial do processo e condicionará o próprio espaço de ajuste. Bons diagnósticos, princípios e capacidade de diálogo são ingredientes da legitimidade.
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