A Câmara dos Deputados aprovou, na quarta-feira (4), projeto de lei que torna o feminicídio crime hediondo. Junto à Lei Maria da Penha, as punições relacionadas às agressões contra a mulher avançam no Brasil, mas a prevenção ainda é a maior dificuldade. Com iniciativas para prevenir os crimes e assistir as vítimas, ao programa “Política para Mulheres: Promoção da Autonomia e Enfrentamento à Violência” foi pago somente a metade do montante previsto para 2014.
Para o pagamento das seis ações que compõem o programa, foram orçados R$ 196,8 milhões no ano passado, mas só R$ 97,2 milhões foram desembolsados, incluindo os restos a pagar pagos (compromissos assumidos em anos anteriores e pagos em 2014).
A execução do programa está dentro do orçamento da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), criada em 2003, pelo governo Lula. No mesmo ano, foi sancionada a Lei Maria da Penha (LMP), que não apenas imputa maior pena ao ofensor, mas também trata de maneira integral o problema de violência doméstica. Dessa forma, a Secretaria ficou responsável por garantir a implementação e a aplicabilidade da Lei, por meio da divulgação e do fortalecimento dos instrumentos de proteção definidos.
Até então a violência doméstica era julgada como crime de menor potencial ofensivo, em que nenhuma medida protetiva era oferecida a vítima. Com a nova legislação, ficou definida uma série de instrumentos para possibilitar a proteção e o acolhimento emergencial da vítima, isolando-a do agressor. A lei também garantiu a assistência social da ofendida.
Contudo, como destaca o estudo “Avaliando a Efetividade da Lei Maria da Penha”, do Ipea, mesmo após 12 anos da criação da Secretaria e oito da Lei, a efetividade não ocorreu de maneira uniforme no país, “uma vez que sua eficácia depende da institucionalização de vários serviços protetivos nas localidades, o que se deu de forma desigual no território”.
Para a relatora da LMP, a senadora Lúcia Vânia (PSDB), entre as maiores dificuldades enfrentadas na pauta de combate a violência contra mulher está a escassez de recursos. “Sempre encontramos resistência para aportar recursos para combater a violência contra a mulher. Há aquela visão de que não há necessidade de aportar verbas para isso, mas sabemos que as casas de apoio e todas as outras iniciativas necessitam de orçamento”, disse ela em divulgação do estudo.
Segundo ela, existe uma tentativa da bancada feminina, tanto da Câmara como do Senado, de suprir a carência de recursos com emendas parlamentares. No entanto, a baixa representativadade de mulheres nas cadeiras do Congresso dificulta o preenchimento da lacuna orçamentária.
Já para a secretária de Enfrentamento à Violência da SPM, Aparecida Gonçalves, falta vontade política dos estados e municípios para desenvolvimento das políticas de combate à violência doméstica e assistência das vítimas. “Hoje temos poucos serviços especializados e não chegamos a 10% dos municípios. Os que têm são mantidos por recursos federais, porque os governos do estado e do município não colocam um recurso”, falou ela na mesma ocasião.
Ações de enfrentamento à violência
A iniciativa que recebeu maior aporte orçamentário do governo federal ao longo do ano passado foi a “Atendimento as Mulheres em Situação de Violência”. À rubrica, que se volta para o funcionamento adequado da Rede de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, a fim de aperfeiçoar os mecanismos de proteção àquelas que estão em situação de violência, foi destinado R$ 106,5 milhões, mas somente R$ 56,9 milhões foram realmente pagos (53,4%).
As Redes buscam fazer frente a complexidade do tipo de violência, contemplando o caráter multidimensional do problema. Para tanto, abarcam projetos como Centros Especializados da Mulher, que oferecem serviços de cunho psicossocial para auxiliar na ruptura das mulheres que vivem sob ameaças e agressões. Também abrange as Casas Abrigo, que oferecem asilo e atendimento a mulheres em situação de risco de vida iminente em decorrência da violência doméstica.
A segunda iniciativa com maior dotação orçamentária foi para construção de Casas da Mulher Brasileira: dos R$ 28,1 milhões previstos, R$ 7 milhões foram pagos, isto é, pouco mais de 25%. Tais casas oferecem, em um único espaço físico, todos os serviços especializados para as mulheres em situação de violência: atendimento psicossocial; central de transportes; delegacia especializada; juizado especializado; defensoria especializada; promotoria especializada; serviço de orientação para geração de trabalho e renda.
No que concerne aos centros de atendimento às mulheres, os números ainda são desencorajadores. Há apenas 214 Centros Especializados em 191 municípios do país. As Casas Abrigo só atingem 1,3% dos municípios brasileiros, estando presentes em apenas 70, com 77 locais para acolhimento.
As Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher não são muito mais numerosas. Há apenas 381 delas em 362 municípios brasileiros (6,5%) e 125 Núcleos de Atendimento à Mulher em delegacias comuns em 94 municípios (1,7%).
A Maria da Penha surte efeito
Mesmo com quantidades muito pequenas de centros especializados perto da extensão geográfica do país e quantia de municípios, as ações da SPM a fim de garantir a efetividade da LMP já produziram efeito social. Um segundo estudo do Ipea, “A Institucionalização das políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres no Brasil”, procurou verificar os efeitos e a capilaridade da nova legislação de 2006, comparando a quantidade de assassinatos de mulheres em residências com anos posteriores.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/IBGE) de 2009 identificou que 48% de todas as mulheres já agredidas haviam sido vitimadas em sua própria residência. Contudo, tais dados sobre a violência não letal contra a mulher são insuficientes.
Para se mensurar, então, a efetividade, foi preciso levar em conta os homicídios, haja vista que a violência doméstica ocorre em ciclos: primeiro, tensão no relacionamento e ofensas verbais; segundo, agressão física, com espancamento e possível morte; e terceiro, o arrependimento e promessas de regeneração.
Sendo assim, conclui-se que ao cessar os ciclos de agressão intrafamiliar, também reduziria, em segunda ordem, os homicídios ocasionados por questões domésticas e de gênero. O que, de fato, ficou comprovado.
A maioria das microrregiões avaliadas reduziram as taxas de homicídios em residência. Em Palmas, por exemplo, 9,56 em cada 100 mil mulheres foram assassinadas no âmbito doméstico em 2006. Em 2001, caiu para 0,74. No Rio de Janeiro, a taxa caiu de 1,57 para 1,09. E em São Paulo, de 0,88 para 0,47.
“Por ora, os resultados dessa pesquisa reforçam o ânimo, pois mostram importantes vitórias na luta pelo acesso a direitos em uma sociedade dominada pela ideologia patriarcal, que até outro dia admitia que a mulher fosse morta em legítima defesa da honra”, conclui a pesquisa de avaliação da LPM.
A SPM, até o fechamento desta reportagem, não respondeu aos questionamentos do Contas Abertas.
Fonte: Contas Abertas
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