Ainda neste mês de fevereiro, o governo federal deve editar uma medida provisória que suspende a cobrança do imposto de renda retido na fonte (IRRF) sobre o leasing de aeronaves e motores. O compromisso foi firmado em uma reunião de integrantes dos ministérios da Economia e do Turismo com a ABEAR (Associação Brasileira das Empresas Aéreas) no início de janeiro e resolve – mais uma vez temporariamente – uma antiga reivindicação do setor. Procurado pela EXAME, o Ministério da Economia não quis comentar o assunto.
O IRRF sobre o arrendamento de aeronaves é um tributo “jabuticaba”, que só existe no Brasil, e impacta fortemente as finanças da empresas aéreas, uma vez que metade da frota das empresas nacionais (Latam, Gol e Azul) são arrendadas. Por não fazer parte do ordenamento internacional padrão, os contratos repassam esse custo para as aéreas – que, por sua vez, repassam aos passageiros, encarecendo os bilhetes. Em 2019, quando uma MP reinstituiu a cobrança, a ABEAR estimava um custo extra de R$79 milhões com o imposto para o ano seguinte.
O leasing de aeronaves é uma prática comum no mercado da aviação, uma vez que adquirir aeronaves próprias, além de muito custoso, também tira a flexibilidade no manejo da frota e da malha em momentos de oscilação na demanda, como na crise causada pela pandemia. A maioria das empresas lessoras ficam na Irlanda, que oferece uma legislação tributário de baixo ou nenhum impacto para esse tipo de negócio.
“Os EUA, China e Itália, por exemplo, tem algo uma tributação parecida prevista na legislação fiscal deles, mas ela é atenuada pela existência de acordos bilaterais para evitar bitributação”, explica Giovani Ceccon, sócio da Silveiro Advogados e especialista em contratos com foco em transporte global. “O Brasil não tem nenhum acordo desse tipo com a Irlanda, além de considerar o país de ‘tributação favorecida’, o que eleva o IRRF à alíquota máxima.”
Assim como no passado, o governo deve isentar a cobrança do IRRF via MP por ser o caminho mais curto para atender a demanda das cias aéreas. Segundo Ceccon, a negociação de um acordo bilateral com a Irlanda, por exemplo, demoraria demais, assim como criar uma legislação específica para acabar de vez com a tributação. “Uma medida provisória, portanto, é o melhor instrumento, porque tem efeito imediato e um período de validade que permitiria ao Congresso apreciar o tema com calma”, diz o advogado.
O melhor, entretanto, não significa o ideal. Apesar de resolver a questão por ora, a MP prometida pelo governo não tira o assunto da pauta do setor, já que ela suspende a cobrança do imposto por um período determinado de tempo. “Nunca é [o ideal], mas é o que temos pra hoje, né. Aí vamos negociando…”, lamenta Sanovicz, destacando que, apesar da boa interlocução com o governo, os gargalos do setor persistem. “2023 [quando o imposto supostamente voltaria a ser cobrado, após a nova MP] é outro planeta. Seria o ideal ter uma legislação definitiva sobre o tema, mas isso é o que nós conseguimos por ora.”
Entenda as idas e vindas do IRRF sobre leasing de aeronaves
No Brasil, IRRF sobre leasing de aeronaves tem uma alíquota padrão de 15%. Por ser um tributo “jabuticaba”, que só existe no Brasil, os contratos dos “lessores” (empresas que são donas das aeronaves e as arrendam às aéreas) repassam esse custo às companhias. Em 1997, o governo FHC suspendeu a cobrança para dar mais competitividade ao setor aéreo nacional – uma vez que o custo extra das companhias brasileiras dá vantagem às estrangeiras.
O dispositivo legal que extinguia a cobrança, entretanto, carecia de renovação de tempos em tempos. E assim foi durante mais de duas décadas, através de diferentes mecanismos. Até que, em 2019, o governo Michel Temer, ao revogar uma série de benefícios tributários, reinstituiu a cobrança de maneira gradual e escalonada: a partir de 2020, o imposto seria de 1,5%; em 2021, de 3%; e, a partir de 2022, de 4,5%.
Já em 2020, a medida provisória de Temer foi apreciada no Congresso e virou lei – mas o forte lobby do setor fez com que os deputados vetassem a nova configuração do imposto – com exceção foi a alíquota de 1,5% em 2021, que já estava prevista na LDO e não poderia ser alterada. A lei então foi promulgada pelo presidente Bolsonaro.
“O problema é que a legislação foi alterada sem especificar o que aconteceria a partir de 2021. Assim, neste ano, voltou a valer a regra geral da Receita, de 15% de alíquota”, explica o advogado Ceccon. “Naquele momento, o governo estava indeciso do que fazer. Ele precisava acomodar uma necessidade, uma pressão da indústria, mas não estava claro o que seria feito, então o tema não foi tratado novamente. Foi a solução mais rápida, paliativa. Mas agora o problema volta à tona, já que ele não foi tratado mais de uma vez.”
Fonte: “Exame”, 13/02/2021
Foto: Reprodução