Para enfrentar a ‘debandada’ na equipe econômica e a pressão por mudanças no teto de gastos, o ministro da Economia, Paulo Guedes e lideranças do Congresso acertaram que vão acelerar a votação de proposta que permite ao governo acionar em 2021 medidas de contenção dos gastos já previstas na Constituição, além de criar novos freios para as contas públicas. Os chamados “gatilhos” seriam disparados preventivamente assim que as despesas que não são obrigatórias chegarem a um nível muito baixo a ponto de comprometer o funcionamento da administração pública.
Essas medidas corretivas seriam adotadas pelo governo automaticamente, já no ano que vem, e evitariam o estouro do teto de gastos – a regra que impede o crescimento das despesas acima da inflação e que está no centro do debate nacional depois que ministros do governo recomendaram ao presidente Jair Bolsonaro que encampasse um plano para furar a trava fiscal como resposta à crise da pandemia da covid-19.
Entre as medidas que poderão ser adotadas estão a proibição de criação de despesas obrigatórias (como salários e o pagamento de benefícios da Previdência), criação de novos cargos, alteração de estrutura de carreira do funcionalismo, admissão ou contratação de pessoal, concessão ou ampliação de qualquer benefício tributário (como isenções dadas a empresas e famílias) e corte de renúncias em impostos.
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Novas ações estão previstas, como revisão do pagamento do abono salarial (benefício de até um salário mínimo pago a quem ganha no máximo dois salários mínimos), do seguro-desemprego e maior foco em programas, além de cortes em renúncias fiscais.
A estratégia começou a ser costurada, na terça-feira, durante encontro de Guedes com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e o líder do PP, deputado Arthur Lira (AL), um dos principais nomes do Centrão. Com o aumento de propostas para driblar o teto partindo do próprio governo, Guedes e Maia montaram uma força-tarefa para barrar essas tentativas. Ontem, Bolsonaro fez um pronunciamento com a cúpula do Congresso e ministros para dizer que o governo respeitará o teto de gastos.
Parâmetro
Ao Estadão, o secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, antecipou o que está sendo desenhado para o cumprimento do mecanismo em 2021 e nos anos seguintes. Rodrigues explicou que, para acionar os gatilhos, haverá um parâmetro prudencial das chamadas despesas discricionárias (aquelas sobre as quais o governo tem poder de decisão, o que inclui investimentos). Ou seja, se a necessidade de cortes de gastos para o cumprimento do teto ficar abaixo desse parâmetro, as medidas de ajuste serão acionadas automaticamente. O parâmetro será uma espécie de “piso” para essas despesas. O limite, admitiu o secretário, deve ficar próximo de R$ 100 bilhões (neste ano, as despesas que não são obrigatórias devem somar R$ 135,9 bilhões).
“Da maneira como o teto funciona hoje, os gatilhos só seriam acionados se essas despesas fossem zeradas”, explicou o secretário. Segundo ele, a proposta deve adicionar novas medidas de ajuste, além das previstas na emenda do teto, para incluir o que é estabelecido como “punição” para quando o governo não cumpre outra norma, a chamada “regra de ouro”. Também prevista na Constituição, a regra impede que o Tesouro se endivide para pagamentos de despesas correntes (como salários, por exemplo).
O Congresso e o governo vão reformular as três propostas de Emenda Constitucional (PECs) que já foram enviadas, em novembro do ano passado, no chamado Plano Mais Brasil – pacto federativo, emergencial e fundos públicos –, numa única proposta ou em duas. A nova PEC vai exigir que as medidas sejam acionadas para União, Estados e municípios.
As pressões para aumento de gastos que impliquem comprometimento do teto, afirmou o secretário, serão fortemente contrapostas pela posição do Ministério da Economia. Ele disse que proposta de ministro “fura teto” não será encampada pela equipe econômica.
Apesar da mobilização da equipe econômica, as frentes para estender gastos de enfrentamento da covid-19 em 2021 ganham força. Três delas têm apoio de muitos parlamentares, inclusive da base aliada. São elas: mais recursos para obras públicas, um novo programa de renda básica e a reformulação do sistema de saúde. Com a pandemia ainda descontrolada, o aumento de recursos para a área de saúde é considerado prioritário. “A austeridade fiscal tem sido seletiva: rigor no controle de despesas das áreas sociais, mas flexibilidade para atender demandas dos militares e dos parlamentares do Centrão para apoio da base política no Congresso, que coincide com o período pré-eleitoral municipal”, critica o consultor Técnico do Conselho Nacional de Saúde, Francisco Funcia.
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Gatilhos mais rápidos
O que os gatilhos do teto proíbem?
– Concessão de qualquer vantagem, aumento ou reajuste salarial para servidores
– Adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação (por exemplo, concessão de um aumento real no salário mínimo)
– Criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa
– Admissão ou contratação de pessoal, à exceção das reposições de cargos de chefia e direção (sem elevar despesa) ou das reposições de cargos efetivos que ficarem vagos
– Realização de concursos públicos, exceto para reposições de cargos efetivos vagos
– Criação de despesa obrigatória
– Criação ou expansão de programas e linhas de financiamento, bem como perdão, renegociação ou refinanciamento de dívidas que levem à alta nos subsídios
– Concessão ou ampliação de qualquer benefício tributário
Que outros gatilhos a nova PEC pode criar?
– Desvinculação de recursos parados em fundos do governo para abater dívida pública
– Desindexação de despesas hoje atreladas a índices de correção, como IPCA ou INPC
– Suspensão temporária de repasses do FAT para o BNDES
– Permissão para redução temporária de jornada e salário de servidores
– Exoneração de servidores não estáveis
– Redução de despesa com publicidade e propaganda em pelo menos 20%
– Implementação de um plano para cortar benefícios tributários
Fonte: “Estadão”