A guerra fria já se foi, ao menos nos moldes estabelecidos entre 1946 e 1989, décadas destinadas à espionagem, como demonstra o sucesso dos filmes cujos títulos incorporam a identificação 007.
Desde aqueles dias os acessórios secretos são admirados e servem de vitrine para tecnologias impossíveis durante algum tempo ou pouco divulgadas. Daí, justamente, o glamour vinculado ao assunto.
É de se perceber, contudo, a imensa oferta atual de apetrechos destinados a gravar, filmar, enfim, registrar a imagem e a voz de alguém com quem se mantém contato. Canetas, relógios, gravatas, qualquer objeto com dimensão inimaginável pode esconder uma câmera com microfone.
Por certo são instrumentos úteis demais para denúncias que, sem tais recursos, não seriam documentadas. Dinheiro escondido em vestes, diálogos envolvendo corrupção, crimes diversos, atos assombrosos demais para que se acredite sem provas cabais.
Tais insumos invadem a privacidade do indivíduo? Sim, por certo. Porem, é necessário somar à condição de indivíduo a função que o mesmo exerce diante da sociedade. É o caso de invocar a prevalência do Princípio do Interesse Coletivo ou Difuso sobre o Interesse Individual.
No caso de dois empresários contratando entre si, sob a ótica do Direito Privado, tais recursos são tidos como ilegais, caso uma das partes envolvidas desconheça o uso de instrumentos destinados à gravação e registro. Qualquer abuso de vontade entre os mesmos pode ser objeto de arbitragem previamente estabelecida ou de ação judicial a fim de equilibrar ou anular o negócio jurídico e seus reflexos.
Já no caso de uma das partes ser representante direto ou indireto do Estado, pouco importando quantos são os envolvidos, o que prevalece é o Interesse Público, ou seja, prevalece a responsabilização estatal em nome de seus representantes, os cidadãos.
É dessa forma que chegam ao conhecimento popular gravações nas quais governantes ou parlamentares aparecem cometendo verdadeiros atentados contra seus mandatos e representados. E o Poder Judiciário tem interpretado dessa forma o inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, a bem da sociedade.
Impossível não pensar nas bases científicas dos estudos de Immanuel Kant. Ainda que a cisão entre ser e dever-ser não seja mais uma verdade absoluta, e nem deveria ser, uma das assertivas merece consideração especial diante dos fatos em pauta. Em suma, ela fala sobre agir diante de si e dos outros de tal forma que a atitude em si possa servir de norma geral de conduta.
Maria Garcia em suas considerações empresta um exemplo nítido. Diz a Jurista que a moral se define a partir de pensamentos e correspondentes atitudes no que a vida tem de mais simples. Segundo a Professora, é diante de um farol, ou sinaleiro de trânsito, às 05hs00 da manhã, em uma esquina completamente deserta, que percebemos a integridade de caráter.
Sem qualquer ameaça de assalto ou dano, o sujeito olha para todos os lados do cruzamento e não encontra motivo para permanecer parado diante do sinal vermelho. Aliás, por se encontrar a caminho de algum lugar, é possível achar alguma eventual vantagem em desobedecer à lei, uma vez que ninguém mais, num raio de quilômetros, pode ser prejudicado.
Nada mais equivocado. É diante de si mesmo que o indivíduo estabelece seu caráter. Ele deve ser seu próprio fiscal. Deve honrar as normas e ser o exemplo da própria conduta. Diante da tentação em transgredir, pode encontrar em seus valores motivos suficientes para aguardar e obter satisfação na pequena grande vitória daquele momento. E, de fato, a vida como um todo apresenta desafios com a mesma estrutura, a cada momento.
Independente de tecnologias que possibilitem registrar ocasiões tidas como resguardadas, seria interessante pensar no ponto anterior a isto, ou seja, na ausência dos comportamentos escusos, na falta de conteúdo para gravações desta espécie, simplesmente porque a conduta do ser humano ali presente não fere a moral ou a norma.
Quem sabe um dia a imprensa terá mais espaço para os bons exemplos de honestidade e caráter, tais como as esparsas notícias a respeito de quem achou e devolveu uma bolsa, uma mala, algum bem perdido entre particulares, e possamos ver exemplos similares dados por políticos, como deveria ser na verdade.
Algo como “A verba das passagens não gasta no ano passado será devolvida aos cofres públicos antes da Lei Orçamentária ser aprovada esse ano.” Ou “Diante das provas incontestáveis de corrupção Fulano de Tal renunciou e vai devolver os valores envolvidos ao erário.”
As demais possíveis gravações ficarão a cargo de celebridades da mídia com pouco senso de discrição, como deve ser.
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