Medido pelo Índice Case-Shiller, o preço médio dos imóveis americanos começou a declinar no início de 2007, depois de sete décadas de alta quase ininterrupta. Em junho do mesmo ano, o Bear Stearns suspendeu os saques em um dos seus fundos de investimento e em julho liquidou dois fundos de hedge. Em agosto, o BNP Paribas também suspendeu os saques em três de seus fundos. Pouco depois, o FED, Banco Central americano, mudou o rumo da política monetária, baixando a taxa básica de juros. Foram os primeiros sinais da crise que até hoje assusta o mundo.
Desde então, as perspectivas da economia mundial, e os mercados em particular, flutuaram ao sabor do noticiário diário %u2014 dados de emprego nos EUA, spreads de juro na dívida soberana europeia, exportações e importações chinesas etc. %u2014 e das medidas de política pública, em especial as injeções de liquidez feitas pelos bancos centrais.
Nos últimos dias, porém, essa mania chegou a um novo estágio, com o humor da economia passando a oscilar com as pesquisas de intenção de voto na Grécia. O mercado sobe se melhoram as perspectivas dos partidos tradicionais, favoráveis ao ajuste fiscal, e caem se aumentam as chances dos partidos mais radicais. Mais preocupante, porém, é que os políticos europeus resolveram adiar a decisão sobre novas medidas para enfrentar a crise, que agora ameaça a Espanha, até as eleições gregas em 17 de junho.
Vai a crise, como os políticos europeus, esperar até que os gregos se decidam? Há um risco considerável de que não, e um cenário desses pode ter consequências ainda mais terríveis do que uma a vitória dos radicais do Syriza, o partido grego de esquerda que repudia os termos da ajuda externa recebida pelo país.
Os dados mostram que a economia grega está entrando, ainda que em câmara lenta, em colapso. O fato mais preocupante é a corrida bancária silenciosa que já reduziu significativamente o total de depósitos bancários. Empresas e pessoas estão transferindo seus recursos para fora do país, mas há também quem esteja simplesmente escondendo seus euros debaixo do colchão. Esse processo vem colocando a solvência dos bancos em questão, com a consequente redução do acesso às linhas de financiamento do BCE, reforçando a contração do crédito.
Também preocupante é que começa a haver um processo de desobediência civil, que passa pelo não pagamento de impostos e até das contas de eletricidade. O turismo também vem sofrendo, reduzindo as receitas externas e o nível de atividade econômica.
Em grande medida, esses acontecimentos são uma reação racional à expectativa de que, com a vitória do Syriza, a Grécia rompa o acordo com a União Europeia, o FMI e o Banco Central Europeu (BCE). Se isso ocorrer, o país pode ter de sair da Zona do Euro, com a introdução de uma nova moeda e, possivelmente, a adoção de um corralito semelhante ao que a Argentina utilizou para impedir que as pessoas sacassem seus recursos dos bancos com o fim da conversibilidade. A nova moeda, possivelmente outra vez o dracma, rapidamente se desvalorizará em relação ao euro. De fato, com um risco desses, o que surpreende é que tanta gente ainda deixe seus euros depositados nos bancos gregos.
Os riscos da espera são, portanto, não triviais. Não apenas a situação pode se precipitar, mas, se isso ocorrer, o efeito demonstração pode levar a corridas bancárias semelhantes em outras países da periferia europeia.
Ninguém deseja que isso aconteça, ou que a Grécia saia do Euro, mas isso não vai impedir que a Alemanha, de um lado, e o Syriza, do outro, continuem subindo o tom de suas ameaças. O que está em jogo são os termos da barganha sobre que parcela do custo de salvamento da Grécia vai caber a cada um.
É isso que ambos esperam negociar uma vez passada a eleição, quando vão buscar um meio termo. Por isso ainda se acredita que o cenário mais provável é de permanência da Grécia na união monetária. O risco, porém, é que, como no caso da quebra da Lehman Brothers, cuja falência o governo americano também não queria, o processo fuja de controle.
O risco de que a Grécia se revele uma Lehman Brothers da Europa não é pequeno. Ainda assim, e a despeito da retórica em contrário, o mundo parece pouco preparado para esse evento. É verdade que os bancos reduziram significativamente a participação dos títulos gregos nas suas carteiras, mas pouco foi feito para isolar outros países europeus do risco de contágio. A paralisia decisória europeia, ainda que uma marca dessa crise, não ajuda.
Fonte: Correio Braziliense, 30/05/2012
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