Aquilo que começou como um movimento legítimo de reivindicação e evoluiu para a chantagem por uma categoria minoritária se tornou nos últimos dias um caso de polícia. O governo cedeu quanto pôde. Foi além do razoável em nome da retomada da normalidade.
Agora, as forças da ordem precisam atuar com energia e urgência para desobstruir as estradas, garantir o retorno do abastecimento de combustíveis, comida e bens essenciais. Para evitar que o país recaia num estado de anarquia.
Nem o líder da associação de caminhoneiros mais resistente às propostas iniciais considera legítima a manutenção dos bloqueios nas estradas. “Não é o caminhoneiro mais que está fazendo greve”, afirmou José da Fonseca Lopes, presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam). “São pessoas que querem derrubar o governo. Não tenho nada a ver com essas pessoas nem nossos caminhoneiros autônomos têm.”
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Os “intervencionistas” a que ele se refere querem nada menos que a derrubada do governo Michel Temer e uma intervenção militar. Tradução: um golpe de Estado. Numa democracia, quem não atua dentro das regras da democracia precisa ser preso e punido. Simples assim.
O próprio deputado Jair Bolsonaro, personagem idolatrado pela ala “intervencionista” dos caminhoneiros, apoiador de primeira hora do movimento grevista, declarou em entrevista publicada hoje no jornal Folha de S.Paulo ser contrário a qualquer ruptura na ordem democrática e a uma intervenção militar a menos de cinco meses da eleição.
“Ninguém quer o caos”, afirmou Bolsonaro. “Quem quer o caos é a esquerda, acusar os latifundiários, os empresários, os americanos. No que depender de mim, ninguém vai dar pretexto de fazer uma falta.”
Os fatos mostram a distância entre as palavras de Bolsonaro e a realidade. A Polícia Federal abriu 48 inquéritos por suspeita de locaute na greve. Ainda havia ontem quase 600 pontos de bloqueio nas rodovias, relatos de sabotagens ao reabastecimento, de donos de postos de gasolina se recusando a receber combustível depois de sofrer ameaças, de caminhões com combustível cujos motoristas são fotogrados como forma de coação e de lideranças conclamando no WhatsApp os caminhoneiros a não sair do lugar enquanto Temer não cair.
O movimento recebeu apoio de motoristas de vans, ônibus fretados e motoboys, numa espécie de versão sobre rodas dos protestos de junho de 2013. Só que, desta vez, as consequências são gravíssimas. Hospitais, escolas, coleta de lixo e serviços essenciais estão paralisados. Para não falar nas prateleiras vazias nos supermercados e nos prejuízos causados à indústria e a todo o setor produtivo.
Diante do poder que demonstraram, os insurgentes incluíram agora na pauta de reivindicações a redução nos preços da gasolina e do gás de cozinha. Fora o impacto no Orçamento de R$ 13,5 bilhões, necessários para cumprir as concessões do governo aos grevistas – a principal é a redução de R$ 0,46 no preço do diesel na bomba –, o prejuízo da greve à economia será incalculável. A paralisação dos petroleiros programada para amanhã deverá tornar a situação ainda mais crítica.
O governo não deve mais ceder a chantagistas. A fase da negociação deveria ter acabado na quarta-feira passada. As conquistas obtidas pelo movimento no fim de semana já foram resultado da inépcia do Planalto para antever os riscos e negociar de modo eficaz. São mais que suficientes para o fim da paralisação. A desocupação das estradas deveria ter sido pré-condição para qualquer concessão.
Até agora, o governo teve receio de usar ostensivamente as Forças Armadas para requisitar os caminhões e prender as lideranças que incentivam a anarquia. Há um temor mal-disfarçado de que os soldados, diante da simpatia dos caminhoneiros, se recusem a agir contra eles. Isso não passa de fantasia.
Não há no Exército, até onde se sabe, nenhum tipo de articulação golpista, nem nenhum desejo de promover intervenção militar. Sempre que são chamadas a atuar, as forças da ordem têm agido com eficiência e competência, como se viu na desobstrução de vários pontos pelo país, ontem nas estradas paulistas ou na escolta de caminhões nesta madrugada no Rio de Janeiro.
Apesar de tudo, o fluxo de mercadorias não foi retomado, tamanho o medo instilado pelas tais lideranças “intervencionistas”. Está, portanto, na hora de sufocá-las. Temer é um presidente avesso a reações bruscas e atravessa seu momento de maior fragilidade. Mas ainda tem à disposição todos os instrumentos legais para agir. Se não o fizer – e rápido –, será o primeiro a pagar o preço da própria omissão.
Fonte: “O Globo”, 29/05/2018