Impressionante. Poucas vezes se viu um início de governo tão caótico politicamente, dadas as dificuldades de acordo em torno do ajuste fiscal e a complicada relação entre Dilma Roussef e os presidentes da Câmara e do Senado, Eduardo Cunha e Renan Calheiros, ambos do PMDB.
Nas negociações do ajuste fiscal até tivemos avanços na semana passada, com o ministro Levy conseguindo empurrar para 2016 a mudança de indexador na correção das dívidas estaduais e municipais. Este, aliás, é um ponto a ser salientado. O grande articulador na aprovação das medidas fiscais é o ministro da Fazenda e sua equipe, e não a Casa Civil, em tese o principal negociador do governo Dilma. Mercadante está fora do processo, assim como a “turma dos pampas” (Miguel Rosseto, Pepe Vargas, etc).
Na semana passada, o ministro Levy continuou na sua catequese junto ao Parlamento, sendo o evento mais importante a “sabatina” na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), onde ele esclareceu sobre a necessidade urgente de aprovação do ajuste fiscal, para afastar o risco de rebaixamento pelas agências de rating, e a possibilidade de retomada da economia. Sobre a avaliação das agências, um voto de confiança foi obtido junto a Standard and Poor’s, o que deu um prazo para que as medidas fiscais tenham o devido efeito.
Sobre os dados fiscais mais recentes, o ajuste ainda não foi sentido. O que se observou, na verdade, foi que o governo resolveu mostrar o “pagamento tempestivo das despesas”, não mais usando as “pedaladas”, ou seja, empurrando-as para o mês seguinte, algo tão comum na gestão anterior. As despesas acabaram elevadas em fevereiro, impactando no resultado fiscal, avançando, em termos reais, 5,5% contra o mesmo mês do ano passado, com as receitas totais crescendo menos, 0,1%, impactadas pelo crescimento anêmico da economia e as desonerações.
Nestas despesas chamou atenção o avanço dos subsídios e subvenções econômicas, crescendo 412%, despesas com FAT (58,4%) e benefícios assistenciais. Esmiuçando estes, temos o aumento dos gastos com seguro-desemprego, abonos salariais, benefícios previdenciários e assistenciais, Bolsa Família, transferências de estados e municípios, etc.
[su_quote]O governo corre contra o tempo no front fiscal[/su_quote]
Decorrente disto, em 12 meses, o déficit primário acabou em 0,69% do PIB, maior do que em janeiro (0,61%), com grande impacto negativo do governo central (-0,51%) e os governos regionais em desempenho melhor (-0,09%). No ano, por outro lado, o saldo primário acabou positivo em R$ 18,8 bilhões, 2,19% do PIB, com maior contribuição dos governos regionais (1,78%) e o governo central com superávit de 0,41% do PIB.
Para os próximos meses, para que o governo federal consiga obter o saldo prometido de 1,2% do PIB, será necessário um superávit em torno de R$ 55 bilhões em dez meses, ou seja, R$ 5,5 bilhões mensais. A equipe econômica acha, inclusive, que os resultados do ajuste só devem começar a ser sentido a partir de abril ou maio. Caso este ajuste, em negociação no Congresso, se mostre insuficiente, surgem outras medidas alternativas, como a “harmonização” da taxação sobre investimentos financeiros (fundos de renda fixa, LCI, LCA, etc), o IR sobre doações e grandes fortunas, a alteração das alíquotas de impostos sobre IPI, dentre outros.
O governo corre contra o tempo no front fiscal. Não dá mais para ficar tergiversando, nem em debates intermináveis no Congresso sobre o ajuste fiscal. Quanto mais cedo for aprovado maior a possibilidade de retomada do crescimento, já que os agentes passarão a acreditar mais nas ações do governo, desde que adotadas com rapidez, transparência e eficiência.
Este, aliás, é outro ponto a ser salientado. Nos últimos anos, em alguns momentos, conseguimos sair das crises com rapidez, dada a pronta resposta das equipes econômicas.
Lembremos o início do segundo mandato do presidente FHC, em 1999, depois da mudança do regime cambial, de semi-fixo para flutuante, quando o novo presidente do BACEN, Armínio Fraga, elevou o juro a 45% e a inflação foi a 8,9%, devido ao inevitável repasse cambial. Uma série de medidas de política fiscal e monetária e novas regras, como o sistema de metas de inflação, acabaram por aumentar a transparência do governo, ancorando as expectativas.
A economia brasileira chegou a derrapar num surto recessivo neste ano, em 12 meses, por dois trimestres, no segundo e terceiro recuando, respectivamente, 0,6% e 0,8%, para depois crescer 0,3% no quarto e 4,3% ao longo do ano de 2000. Claro que contribuiu para isto a boa aceitação que a equipe econômica gozava no mercado e a rapidez e acertadas medidas adotadas. Outro período importante foi depois da posse do presidente Lula, em 2003, quando tivemos um forte ajuste e a economia crescendo apenas 1,1%, mas 5,7% no ano seguinte, dado o ganho de credibilidade gerado pela nova equipe econômica, liderada por Palocci e Henrique Meirelles.
Em suma, quanto mais ágil o ajuste for encaminhado, com medidas acertadas e transparentes, mais rápida será a retomada do crescimento. O governo acredita que esta retomada deve acontecer entre o terceiro e quarto trimestre deste ano. Teríamos um “surto recessivo” no primeiro semestre e uma lenta retomada no segundo.
Não descartamos esta hipótese, mas o que aconteceu no primeiro trimestre em termos de desgaste político nas negociações das medidas, os ruídos na relação da presidente Dilma com o ministro Levy e pelo seu isolamento, com as pesquisas de popularidade em patamar muito baixo, nos leva a acreditar numa retomada mais gradual, se possível no transcorrer de 2016.
É importante também analisarmos os custos de racionamento, neste momento, distantes, mas não descartados para 2016, caso a economia comece a crescer. Claramente, existe um gargalo neste front, já que os reajustes de energia elétrica são fortes neste ano, mas o imponderável do clima continua em pauta. Caso as chuvas sejam insuficientes, o fantasma do racionamento acabará abortando esta retomada de crescimento.
Por fim, parafraseando a bela canção de Tom Jobim, “Águas de Março”, e sendo metafórico, que as chuvas de verão tenham sido suficientes neste primeiro trimestre de 2015, mesmo com algumas tempestades, para que haja uma abertura de cenário para o restante do ano.
Esta é a nossa expectativa. O país retomar sua trajetória e voltar a explorar todas as suas potencialidades, voltando a crescer entre o final deste ano e início de 2016. Estamos adotando um freio de arrumação na economia que, quanto mais rápido e transparente for, melhor será para a reconquista da confiança e a retomada no ano que vem.
Tom Jobim, “São as águas de março fechando o verão. É a promessa de vida no teu coração”.
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