Os conflitos e o tumulto no depoimento do ministro Paulo Guedes ontem à Comissão de Constituição de Justiça da Câmara deixaram claros alguns fatos sobre a atual relação entre o Executivo e o Legislativo e sobre as chances de aprovação da reforma da Previdência:
1) Guedes não é político. Sua reação destemperada ou irônica em vários momentos é o oposto do esperado de uma autoridade em sua posição. A agressividade da oposição era previsível. Se ele foi treinado, foi mal treinado. Passou a impressão de desconforto, arrogância e, com certeza, não conquistou um só voto para seu projeto.
2) A oposição – sobretudo PT e PSOL – está despreparada para debater o assunto. Questionamentos estapafúrdios dos deputados Maria do Rosário, Ivan Valente, Paulo Pimenta e a agressão despropositada e leviana do deputado Zeca Dirceu demonstram exatamente por que a esquerda foi varrida nas últimas eleições. Desconhecem números, desconhecem fatos, desconhecem princípios elementares de economia e formulação do Orçamento. Incapazes de entender o que beneficia pobres e ricos, recaem no discurso ideológico rasteiro, falso, mofado. Tornaram-se, sob o manto de guardiões da igualdade, apenas defensores de uma casta de privilegiados no funcionalismo público, principais beneficiários da manutenção do statu quo.
3) O governo – em especial o PSL dos deputados Felipe Francischini e Capitão Augusto – não tem a menor condição de enfrentar politicamente uma batalha dura como a aprovação da reforma da Previdência. Só um neófito como Francischini, jovem e inexperiente, deixaria uma sessão repleta de conflitos e cascas de banana se estender por tanto tempo (seis horas e meia), expondo à exaustão e levando à explosão o principal ministro do governo de seu próprio partido. A defesa da reforma pelos governistas foi tímida, a oposição dominou as inscrições e discussões. Sem conseguir nem mexer direito no microfone com que controlava o debate, Francischini não conseguiu evitar caos e bate-bocas. Com o pavio curto de Guedes, não poderia terminar de outro modo.
4) O cidadão que pretendia entender os pontos mais controversos da reforma, como o sistema de capitalização ou as regras do Benefício de Prestação Continuada (BPC), teve de se contentar com os momentos em que deixaram Guedes falar. Mais preparado que qualquer um no recinto para debater o assunto, ele deixou evidente o motivo de o Brasil ter chegado ao limite do abismo fiscal: a incompetência crassa de sucessivos governos e parlamentos para lidar com as dificuldades impostas por um sistema que criou um sem-número de privilégios, cujos beneficiários sempre souberam se fazer representar e melar praticamente toda tentativa de extingui-los. Guedes não é o homem dos detalhes técnicos, mas com certeza tem uma compreensão abrangente e precisa do problema que enfrentamos. Sabe também como resolvê-lo, embora não tenha demonstrado até agora a competência política necessária para conquistar aliados a sua causa.
5) As chances de o Brasil, com estes deputados que estão aí, com este governo que está aí, aprovar alguma reforma decente na Previdência são ínfimas. As economias almejadas por Guedes, da ordem de US$ 1,1 trilhão, serão fatalmente diluídas pelas ondas de demandas do oceano parlamentar. Não se sabe ao certo o que – se algo – sobreviverá. Mas é certo que o clima de conflito que se viu ontem não levará a nenhum tipo de consenso produtivo. Com críticas rasteiras e desinformação, não haverá como melhorar os pontos falhos do projeto de Guedes. Vencem aqueles que não querem mudança. Vencem a elite do funcionalismo, os juízes, procuradores e militares, os que ainda têm direito a aposentadoria integral, aqueles que se aposentam aos 50 e poucos anos e todos os privilegiados que se beneficiam das distorções corrigidas pela reforma. Perdem os mais pobres (que já se aposentam aos 65 ganhando um salário mínimo). Perde o Brasil. Resultado da prepotência do governo, do despreparo político de Guedes e, sobretudo, da ignorância da oposição que não estuda, não se informa, não aprende – só agride.
Fonte: “G1”