“Há algo terrivelmente errado. Os Estados Unidos, hoje, são país obcecado pela adoração de sua própria ignorância. Não se trata do fato de que as pessoas não saibam muito sobre a ciência, a política, a geografia; elas não sabem, mas isso sempre foi assim. (…) O problema maior é que hoje nos orgulhamos de nossa própria ignorância. A ignorância, especialmente em relação a qualquer coisa associada à política pública, é virtude. (…) Tudo é passível de conhecimento, e toda opinião sobre qualquer assunto é tão válida quanto qualquer outra.” O trecho é de “The Death of Expertise”, livro de Tom Nichols publicado pela Oxford University Press esse ano.
Leiam novamente o início da segunda frase. Substituam “os Estados Unidos” por “Brasil”. Soou familiar? Não importa qual seja sua profissão, é provável que, em algum momento, tenha encontrado opiniões disparatadas sobre sua área de conhecimento em alguma mídia social. Talvez você tenha tentado explicar para o indivíduo que expôs opinião equivocada os motivos de seu equívoco. Talvez você tenha se indignado com a possível resposta malcriada que de volta recebeu. Talvez você tenha resolvido não perder seu precioso tempo com a estultice que predomina nas redes, forma menos suave de denominar aquilo que o sociólogo Manuel Castells chamou de “autismo eletrônico”.
Como economista, já observei inúmeras opiniões equivocadas sobre políticas relacionadas à minha área de atuação e conhecimento, opiniões untadas de qualquer matiz ideológico. Há, por exemplo, o batido argumento de que o sistema previdenciário brasileiro é superavitário, e que, portanto, não há necessidade de reforma alguma. Há, também, o argumento de que as desigualdades estonteantes que esgarçam o Brasil seriam resolvidas bastasse que se reduzisse o tamanho do Estado e que se desse maior protagonismo ao indivíduo. Ambas as visões estão erradas, não só em suas premissas, mas em termos da assertividade com que são apregoadas. Contudo, se a primeira for combatida mostrando que, na ausência de uma reforma da Previdência – e a de Temer deixa muito a desejar – a matemática implacável do envelhecimento populacional brasileiro levará ao caos nos próximos anos, o especialista será desqualificado, acusado de não conhecer a Constituição, não saber fazer conta, ou de ser “de direita”, logo descartável. Caso trate-se da segunda opinião, a tentativa de explicar ao interlocutor que a velha ideia de Estado mínimo jamais funcionaria em um país onde a desigualdade fundamental é de acesso às oportunidades – sobretudo ao ensino de qualidade, mas também à saúde, à segurança, ao saneamento básico, e por aí vai – as chances de que o especialista seja desconstruído com argumentos que variam de um longo discurso sobre as vicissitudes do Estado brasileiro até a denominação de “esquerdopata” são imensas.
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O resultado é uma arena de cacofonia onde tribos gritam e se esbofeteiam no Facebook, no Twitter, e, de bom mesmo, nada sai. O que sai é a raiva, a indignação, a necessidade de preservar a visão de mundo errada para não ser expulso do grupo ao qual pertence o sujeito nas anarquias virtuais. Há três semanas, a matéria de capa da revista “The Economist” cavucou essa ferida. O fato de estarem as pessoas sugadas por suas “linhas de tempo”, seus “news feeds”, absortas em seus teclados, faz com que sejam facilmente sorvidas por sentimentos negativos. O discurso de intolerância é, assim, explorado com enorme facilidade por políticos que se alimentam desse ambiente de conspirações e desilusões. Não é preciso citá-los – sabemos, no Brasil quem eles são. Eles, no plural.
Eventualmente, haverá adaptação. O apelo das redes e das emoções que destilam desgaste há de diminuir. Até lá, entretanto, más políticas endossadas por maus governantes e políticos poderão resultar das brigas incessantes no mundo virtual, e do nefasto pouco caso que se faz dos especialistas. Já ouviram falar da Lei de Pommer? Diz ela que: “A opinião de uma pessoa pode mudar ao ler alguma informação na internet. A natureza dessa mudança será a de não ter opinião alguma para ter a opinião errada”. Opiniões erradas não costumam dar bom resultado nas urnas. Esse é o risco que corre o Brasil em 2018 com seus guerreiros de teclado.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 22/11/2017.
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