Observações gerais. O artigo de Guido Mantega, publicado no jornal Folha de São Paulo, neste mês, consta, basicamente, de duas partes. A primeira é um resumo de sua análise sobre a economia brasileira desde 2003 até agora, em que define os intervalos de tempo conforme os governos Lula, Dilma (parte), Temer e Bolsonaro e culmina com o paralelo entre a atual gestão e a política “desenvolvimentista dos governos Lula e Dilma”. Na segunda, faz declarações sobre plano econômico do próximo governo, implicitamente, do PT.
Passado. O autor elogia os governos petistas e critica os demais, denominados de “neoliberais”. Confunde relação de causa e efeito com concomitância temporal, ao ignorar as defasagens entre as medidas governamentais e seus efeitos, e ignora os contextos em que ocorreram as gestões analisadas. Como exemplo, cito a crítica ao déficit fiscal no Governo Temer, como se as medidas que o provocaram fossem medidas de Temer e não de Dilma. Ignora uma lição prática de conhecimento geral: muitas vezes um governo planta e o outro colhe, como é exemplo clássico o governo Bush (pai) e o que lhe seguiu, Clinton. Ignora indicadores quantitativos que demonstram que no período Lula o Brasil foi um perdedor relativo e durante o período Dilma foi um perdedor absoluto. Considera o atual governo “dos piores”, a partir de resultados superficiais de conjuntura, quando as razões são mais profundas. Em suma, a análise do ex-ministro é pobre para explicar o passado, e inútil ante as questões do futuro.
O contexto atual exige foco. A produtividade da mão-de-obra brasileira sempre foi muito baixa e, mesmo assim, vem caindo devido à redução dos investimentos desde 2012, à piora do funcionamento da máquina pública, e, mais recentemente, ao agravamento dos problemas de saúde pública. Neste cenário, é natural que um plano de Governo deva ter como meta essencial o aumento da produtividade de sua população trabalhadora.
Os consensos e o futuro. Quanto a um possível governo do PT, o ex-ministro faz várias considerações. Entre elas, as que se seguem:
… as forças democráticas deverão elaborar um programa de desenvolvimento econômico e social para a reconstrução do país.
O governo deve coordenar um ambicioso plano de investimentos públicos e privados, de modo a ampliar a infraestrutura e aumentar a produtividade…
É imprescindível realizar uma reforma tributária, que simplifique os impostos federais, estaduais e municipais.
Em primeiro lugar, cabe lembrar que, ao longo desses anos (de 2003 para cá), se foram consolidando algumas linhas de política econômica, como a responsabilidade fiscal, entendida como princípio, um ativo do País, reconhecida pelo ex-ministro como um ponto positivo do Governo Lula, o câmbio livre e a consolidação da política monetária. Mais recentemente, em caráter global, é também consenso que a produtividade precisa aumentar e as desigualdades diminuírem. Assim, esses pontos, os mais antigos e os mais recentes, deixaram de ser propriedade privada de linhas ideológicas.
Portanto, há muito tempo a questão não é ser desenvolvimentista ou não ser desenvolvimentista. Aliás, uma tolice antiga, retomada no texto do ex-ministro, afinal ninguém é “não-desenvolvimentista”. A questão é com que estratégia e com que meios promover o desenvolvimento com redução das desigualdades.
É, também, estrutural: qual o papel do Estado. Ou, dado que, muito provavelmente, o estado tenha papel mais relevante ante os problemas decorrentes dos desequilíbrios ambientais, com qual Estado.
A reforma essencial. Com o Estado Brasileiro atual, ineficiente, caro e desvirtuado de suas funções pela conduta dos agentes públicos, o Brasil não tem condições de enfrentar os desafios dos tempos de mudanças tecnológicas, dos problemas ambientais, da necessidade de sustentabilidade, de seguro dado o envelhecimento da população (uma nova reforma da previdência), da melhora da educação e da saúde. Logo, a questão não é meramente mais ou menos estado.
Portanto, para fazer o que propõe o ex-ministro é pré-condição realizar a reforma do Estado Brasileiro, a mais importante de todas as reformas, assunto que não mereceu uma palavra de Guido Mantega.
Foto: José Cruz/Agência Brasil