Exilado, o dono da única TV da Venezuela que critica o presidente aposta em sua derrota eleitoral para voltar
Na lista de desafetos do presidente Hugo Chávez, o empresário Guillermo Zuloaga ocupa um lugar de destaque. Desde que a Globovisión, que ele comanda, passou a ser a única emissora de TV da Venezuela a criticar Chávez, Zuloaga se tornou o alvo preferencial do chavismo. Em junho de 2010, a Justiça ordenou a prisão dele e de seu filho homônimo, sob a insólita acusação de “usura”, por armazenar em casa 24 carros (supostamente, para forçar o aumento do preço dos automóveis). A família, dona de concessionárias, diz que os carros já estavam vendidos. Dias depois, os dois deixaram o país rumo aos Estados Unidos, onde Zuloaga obteve asilo político. Nesta semana, ele vem ao Brasil participardo 24º Fórum da Liberdade, em Porto Alegre. Antes da chegada, concedeu entrevista a ÉPOCA.
Quem é
Advogado, o venezuelano Guillermo Antonio Zuloaga Núñez nasceu em Caracas e tem 69 anos. Casado, é paide dois filhos: Guillermo Antonio, de 36 anos, e Carlos Alberto, de 33.
O que fez
É acionista majoritário do grupo Corpomedios, que controla a TV Globovisión, crítica do governo Hugo Chávez. Em 2010, exilou-se nos Estados Unidos depois de a Justiça emitir uma ordem de prisão contra ele e seu filho Guillermo. No mesmo ano, recebeu o Grande Prêmio Liberdade de Imprensa da Sociedade Interamericana de Imprensa.
Entrevista:
Como tem sido sua rotina de asilado político nos Estados Unidos?
Guillermo Zuloaga – Apesar da distância, ainda dedico muito tempo as minhas empresas, sobretudo à Globovisión. A tecnologia felizmente permite a qualquer um o contato constante com quem está longe. E sigo buscando outros meiosde sustento, porque a vida no exterior nunca é fácil. Por enquanto, consigo me sustentar com o que guardei em mais de 50 anos de trabalho.
Do que o senhor sente falta por estar fora da Venezuela?
Zuloaga – Nunca pensei na minha vida que fosse viver em outro lugar que não fosse meu país. No entanto, tenho a firme esperançade que vou regressar em um futuro não muito distante, talvez depois das eleições ( presidenciais, em dezembro de 2012). Meu único impedimento é um capricho do presidente Chávez, que não gosta de que lhe digam a verdade.
Em que momento o senhor decidiu que tinha de ir embora?
Zuloaga – A Justiça expediu uma ordem de prisão contra mim e, sem eu nem ter ido a um Tribunal, determinou que eu deveria ser levado para a penitenciária de La Planta, a mais perigosa das Américas, segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Não podia correr esse risco. Em La Planta, é normal morrerem de dois a três presos por semana. Há umas três semanas, houve um motim em que morreram 15.
Como foi sua saída do país?
Zuloaga – Nunca vou dizer como saí. Se eu disser, podem supor que eu use a mesma via para um dia voltar à Venezuela. Se esse caminho funcionou na ida… de repente, eu surpreendo Chávez com uma entrevista minha em Caracas. Tudo é possível neste mundo.
Mas o senhor estaria disposto a voltar mesmo com Chávez no poder?
Zuloaga – Se ele está no comando, é mais difícil. Como ele manipula o Poder Judiciário, é improvável que eu consiga ser absolvido das acusações a que respondo. Mas acho mesmo que ele não esteja mais na Presidência ao fimde 2012.
Por quê?
Zuloaga – Acredito que os venezuelanos vão derrotá-lo eleitoralmente, embora não saiba como ele vai reagir. Hoje, a maioria das pessoas não suporta mais a má qualidadede vida, a insegurança, o desemprego, a inflação galopante. Já se deram conta de que não é este o governo de que necessitam.
Em novembro, o senhor fez um pronunciamento em sua emissora dizendo que desejava saúde a Chávez para “poder vê-lo prestarcontas aos venezuelanos e talvez além de nossas fronteiras”. O que quis dizer com isso?
Zuloaga – Chávez estava dizendo que eu queria matá-lo. Tudo invenção. Fui a público dizer que não o queria morto. A verdade é que Chávez administrou a maior fortuna que passou pelaVenezuela nos últimos dez anos, mais de US$ 990 bilhões ( valor que teria vindo da receita com a venda de petróleo; o governo diz que são US$ 545 bilhões). E ele nunca prestou contas a ninguém sobre o que fez com o dinheiro. Sabemos, sim, que o usa para presentear amigos de outros países. Ele tem de prestar contas sobre a falta de segurança na Venezuela, onde foram mortas mais de 150 mil pessoas nos últimos dez anos. Também tem de dar satisfação sobre empresas e propriedades que o governo supostamente expropriou dentro de preceitos legais. Hoje, essas empresas estão fracassadas, e indivíduos reclamam que não foram devidamente compensados.
Qual foi sua reação ao saber que Chávez recebeu um prêmio numa universidade da Argentina por sua “contribuição àliberdade de expressão”?
Zuloaga – Dar um prêmio de liberdade de imprensa a Hugo Chávez é o mesmo que se decidissem dar o Prêmio Nobel da Paz a Muammar Khadafi (ditador da Líbia). Não queria falar da presidente Cristina Kirchner nem da Argentina, mas é um país que tem seus compromissos com Chávez, que comprou bônusde sua dívida e dá apoio econômico de várias formas. O governo Kirchner tem de agradecer de alguma forma. Sabemos que Cristina tampouco tem apreço à liberdade de imprensa. Basta ver os ataques ao jornal Clarín e a outros meios independentes. É claro que Chávez nunca teria direito a isso. E ele ainda teve a coragem de dizer que nunca havia fechado um meio de comunicação, quando todo mundo sabe que fechou a Rádio Caracas Televisão (RCTV, em 2007), uma emissora que tinha mais de 53 anos no ar, e também 34 emissoras de rádio. No caso da Globovisión, o governo ameaça constantemente com multas e processos administrativos, mas sempre nos defendemos bem, porque temos tudo em ordem.
A presidente Dilma Rousseff tem defendido com frequência a liberdade de expressão. É um exemplo para Chávez?
Zuloaga – Quando um presidente não tem medo de que as pessoas saibam o que está fazendo, não tem medo da imprensa. Ao contrário de Chávez, Dilma não tem por que nos temer.
A licença de funcionamento da Globovisión expirará em 2015. O que fará se Chávez ainda for o presidente e cassá-la?
Zuloaga – Se ele fizer isso, a quem vai prejudicar? Aos 500 ou 600 funcionários da Globovisión. O dano não é só a mim, mas a toda a população. Seguiremos no sinal a cabo, onde estamos em todo o país. Na TV aberta, em que dependemosde concessões do governo, só transmitimos para Caracas e região metropolitana e para o Estado de Carabobo. Desde que Chávez chegou ao poder, em 1999, nunca nos concedeu uma licença, nem para operar um walkie-talkie.
Fonte: revista “Época”, 11/04/2011
No Comment! Be the first one.