O guru da inovação, a imprensa e o Facebook
Não são poucas as ameaças ao jornalismo profissional hoje em dia: censura na China e em países da Ásia, África e Leste Europeu, “controle social” nas republiquetas latinas, para não falar no assassinato de repórteres na Síria. A ameaça mais forte vem, surpreendentemente, da Califórnia. Mais precisamente, de Mountain View e Menlo Park, duas cidades no Vale do Silício, sedes, respectivamente, de Google e Facebook. Trata-se de uma ameaça de natureza diferente e muito mais séria: a implosão do modelo de negócios secular, baseado na venda de publicidade para amplas audiências.
Processo aberto e desintegrado
Por meio de software que dirige anúncios a públicos específicos e da oferta de serviços que nada têm a ver com jornalismo, os gigantes do Vale do Silício aproveitaram o ambiente de conteúdo fragmentado da internet para transformar, simultaneamente, os modos como as empresas jornalísticas distribuíam conteúdo e ganhavam dinheiro. “Organizações de notícias controlavam coleta, empacotamento e venda do produto noticioso. Hoje, o jornalismo é um processo aberto e desintegrado”, escreveu o pesquisador Clayton Christensen, da Universidade de Harvard, num estudo recente em colaboração com outros autores.
Quem tem algum negócio afetado por inovação tecnológica e não conhece as ideias de Christensen deveria mudar de ramo. Foi ele quem criou o conceito dominante nas análises estratégicas de todos os setores afetados pela inovação – a “tecnologia de ruptura” ou, para repetir o neologismo, “disrupção”. Tornou-se um guru para empresários como Michael Bloomberg ou Steve Jobs. Seu livro mais influente, O dilema da inovação, de 1997, desvenda na prática a célebre “destruição criadora”, conceito formulado pelo economista austríaco Joseph Schumpeter para descrever a inovação.
Christensen identificou um traço comum em vários setores afetados pela tecnologia: empresas estabelecidas tiradas de mercados por concorrentes cujos produtos eram, pouco tempo antes, desprezados pela qualidade inferior. Christensen descobriu que, embora piores inicialmente, tais produtos satisfaziam a alguma demanda desconhecida do consumidor. Pouco a pouco, sua qualidade melhorava, até o ponto que, quando entravam no radar das empresas dominantes, era tarde demais. Elas quebravam ou ficavam para trás.
Christensen detectou rupturas nas indústrias de discos rígidos, carros, motocicletas, aço, varejo e, sobretudo, de produtos que sumiram, como negativos ou máquinas de escrever. As empresas não se tornavam vítimas das rupturas por incompetência. Ao contrário, era a excelência que as levava a buscar mercados mais rentáveis, com produtos de qualidade melhor na dimensão conhecida – e a desprezar a dimensão inovadora dos produtos de qualidade pior, feitos por empresinhas pequenas. Era a boa gestão que levava as melhores empresas ao fracasso. O dilema do título era este: diante de uma inovação, é melhor manter a busca por resultados ou esquecê-la e apostar no desconhecido para criar um novo mercado?
Do zero a segunda estratégia
A história do Vale do Silício está cheia de empresas que começaram do zero e tiveram sucesso com a segunda estratégia, entre elas Google e Facebook. No começo, eram vistas apenas como desenvolvedoras de software. Ninguém levava a sério o espaço que poderiam ocupar no mercado publicitário ou acreditava que se tornariam dominantes na distribuição de conteúdo. Numa entrevista em 1999, perguntei a Christensen se suas teorias se aplicavam ao impacto da internet no jornalismo. Ele disse que ainda não sabia. Hoje, já está claro que a imprensa foi vítima da ruptura no mercado de publicidade causada por Google e Facebook. “Esperar os anúncios on-line se materializarem ou voltar a trabalhar do modo antigo é fútil”, escreveu ele em seu estudo recente. “As redações deveriam abraçar a ruptura de cabeça erguida.”
Christensen já aplicou suas teorias aos mercados mais variados, como saúde e educação. Esqueceu, contudo, a essência de alguns deles. “Pessoas não são drives de disquete. Escolas públicas, faculdades e universidades, igrejas, museus e hospitais (…) não são indústrias no mesmo sentido que fabricantes de discos rígidos ou motores de caminhão. Jornalismo também não é uma indústria nesse sentido”, escreveu a historiadora Jill Lepore na revista New Yorker.
A opinião dela pode ser considerada apenas dor de cotovelo, reação comum num setor ameaçado, de quem é incapaz de entender que, para o internauta, fotos de gatinhos podem ser mais atraentes que furos jornalísticos. Ou não. O Facebook enfrentou há dias um problema típico de empresas jornalísticas: foi acusado de vetar conteúdos de orientação conservadora. Em resposta, divulgou diretrizes de edição que nada devem a manuais de redação convencionais. Pelo visto, a “disrupção” ainda não foi capaz de destruir valores felizmente mais duradouros do que aqueles que criou.
Fonte: “Época”, 22 de maio de 2016.
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