Aviso aos candidatos a presidente da República e governadores: de tão complicada, a atual situação fiscal impede que qualquer meta de resultado primário (excedente de caixa antes de pagar juros) possa ser viabilizada pela União sem maiores problemas. O mesmo vale para o próprio teto de crescimento dos gastos totais, que foi fixado como igual à inflação decorrida, mas se torna cada vez mais difícil de ser cumprido. Ou seja, o castelo de cartas da gestão Meirelles à frente da Fazenda vai se desmoronando aos poucos. O “x” da questão é o crescimento descontrolado do chamado gasto corrente obrigatório, em que o item Previdência se destaca. Aqui também Meirelles falhou, porque propôs uma reforma de regras atingindo todas as pessoas ao mesmo tempo (dos mais pobres aos mais abastados), em vez de atacar primeiramente o problema dos privilegiados regimes dos servidores públicos, e do jeito certo.
Estados e municípios (EEMM) padecem do mesmo problema da União, seja porque todos vêm sofrendo os efeitos da pior recessão de nossa história sobre a arrecadação, seja porque a conta da Previdência dos servidores é difícil de administrar em qualquer lugar. São notórios os casos dos Estados do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, entre outros em situação pré-falimentar. A diferença está do lado do financiamento. Aqui, a União leva a vantagem – e vem fazendo isso há tempos – de poder financiar seus déficits indiretamente por meio de emissão de moeda. Primeiro emite dinheiro, depois enxuga a liquidez via emissão de títulos, grosso modo, com prazo de um dia, e que pagam a Selic, a menor taxa possível. Dessa forma, consegue evitar, não se sabe por quanto tempo, que o Tesouro emita títulos de prazo mais longo a taxas de juros estratosféricas, num quadro de explosão da dívida pública e de eventual retorno da hiperinflação.
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Há muito o que fazer, mas, referindo-me especificamente aos entes estaduais, as tarefas prioritárias seriam: primeiro, reduzir o peso dos “donos do orçamento” nos respectivos orçamentos; simultaneamente, diminuir fortemente a insuficiência financeira dos regimes próprios de Previdência, ou equacioná-los atuarialmente.
Deixando o item Previdência de lado, “donos” são os itens que dispõem de receitas garantidas, seja por porcentuais fixos, em lei, da receita total, ou por negociações anuais progressivamente mais vantajosas de fatias do Orçamento em cima das demais receitas, pelo maior poder ou prioridade de que dispõem. No primeiro subgrupo, destacam-se educação e saúde. No segundo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Tribunal de Contas, Defensoria Pública e a crítica área de segurança pública. No final, sobra cada vez menos para Previdência, investimento em infraestrutura, etc. E como ninguém tem coragem de parar de pagar aposentados/pensionistas, há uma tendência permanente ao atraso de pagamentos a fornecedores e outros beneficiários do segmento residual final (investimentos, etc.), além do risco de os dirigentes sofrerem elevadas punições nos últimos anos de mandato, como se dá com o atual, atingido desproporcionalmente pela pior recessão de nossa história. (A União por enquanto escapa, porque emite moeda…)
Dada a força política intrínseca dos “donos”, a redução de seu quinhão se dará indiretamente, na hora que a Previdência própria for equacionada. Ali, cada segmento é tratado separadamente, e chamado a arcar com o ônus das contribuições patronais e dos gastos específicos com aposentados/pensionistas, algo que praticamente não ocorre hoje. (Na verdade, é o Orçamento residual que, basicamente, banca tudo isso.)
Não há espaço para detalhar o resto da proposta aqui, mas ela pode ser lida em artigos que venho publicando em raulvelloso.com.br e inae.org.br. A propósito, levarei o assunto para debate na sessão especial de 23 de agosto do XXX Fórum Nacional, em que candidatos a postos executivos (ou assessores) serão convidados a participar (veja detalhes em inae.org.br).
Fonte: “Estadão”, 14/06/2018