O presidente americano, Donald Trump, fez ontem em Miami uma ameaça aos militares venezuelanos. Se insistirem em apoiar o ditador NIcolas Maduro, disse Trump, eles têm “tudo a perder”: “Não terão porto seguro, nem saída fácil, nem rota de fuga”.
A declaração aumentou as especulações sobre uma intervenção americana na Venezuela, para garantir o fluxo de ajuda humanitária bloqueada na fronteira por tropas ainda leais a Maduro. Será que a ameaça latente será executada? Até que ponto existe mesmo chance de guerra civil na Venezuela, com presença militar americana?
A figura-chave para entender o imbroglio é o presidente-interino Juán Guaidó. Aos 35 anos, ele tem se revelado um político extremamente hábil para conduzir a transição, num papel comparável ao do MDB de Tancredo Neves e Ulysses Guimarães no final da ditadura no Brasil.
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Desde que cumpriu a determinação constitucional de, diante da eleição fraudada que deu o segundo mandato a Maduro, assumir a presidência interinamente até conseguir promover novas eleições, as entrevistas, pronunciamentos e atitudes de Guaidó têm procurado unir a antes fraturada oposição venezuelana.
Não que outras lideranças estejam quietas. Há um desconforto compreensível com a progressiva adesão de ex-chavistas, muitos deles responsáveis por crimes do regime bolivariano, ao projeto de transição. Guaidó tem, contudo, sabido exercer bem seu papel conciliador.
A legitimidade de Guaidó foi reconhecida por mais de 50 países, entre os quais as maiores democracias do planeta. Mesmo China e Rússia, duas potências que ainda reconhecem a presidência de Maduro, têm ensaiado os passos de um afastamento cauteloso.
A China se preocupa sobretudo com o pagamento das dívidas e com a continuidade de seus negócios no país. A situação da Rússia é mais complexa, já que a russa Rosneft é sócia da estatal PDVSA em várias operações de exploração e venda de petróleo.
A estratégia de Vladimir Putin parece clara: incomodar os americanos naquilo que acreditam ser sua esfera de influência (a América Latina), até que eles o deixem livre para agir na que crê ser a dele (Ucrânia e Síria). Não é crível que Putin mantenha-se leal a Maduro se os Estados Unidos cederem nos outros dois tabuleiros.
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Trump parece entender tal contexto. Daí seu recado direto àqueles cuja lealdade é o único fio que mantém Maduro pendurado ao poder: as Forças Armadas. O papel americano não deverá, porém, se estender para além da garantia do fluxo de auxílio humanitário.
Tiranos, é verdade, jamais caem por gravidade. Guaidó e os americanos concordaram em estabelecer um prazo, até o final desta semana, para que as estradas sejam abertas. O designado para lidar com a Venezuela no Departamento de Estado, Eliott Abrams, chegou a manter encontros com bolivarianos. Paira a sensação de que há uma negociação em curso.
O desfecho ainda é imprevisível. Para a queda de Maduro, basta uma rebelião do próprio Exército venezuelano, com a garantia implícita de não-intervenção dos americanos – ou de que qualquer presença de tropas servirá apenas para escoltar os caminhões com remédio e comida parados na Colômbia.
O cenário de guerra civil só se tornaria verossímil se a oposição venezuelana tivesse um líder de humor belicoso, disposto a reivindicar o ônus de aceitar a convocação de tropas internacionais para enfrentar o próprio Exército. É um perfil oposto ao de Guaidó, que tem feito tudo em prol da solução negociada.
Quanto mais medo Trump conseguir instilar nos militares leais a Maduro, mais chance eles têm de desertar. Quanto mais conciliador e tolerante Guaidó parecer, mais chance de serem aceitos sob o guarda-chuva democrático que recobre todo o espectro ideológico. Quanto mais isolado Maduro estiver, maior a chance de a Rússia abandoná-lo.
Essa é a estratégia. Esse é o cenário mais provável. O tempo será ditado pela reação do tirano. Sempre imprevisível, só Maduro tem a capacidade de tornar um conflito armado inevitável. Se depender de Trump e Guaidó, a transição será rápida, pacífica e democrática.
Fonte: “G1”, 19/02/2019