Aos 85 anos e mantendo amizade e admiração com e por grande parcela dos juristas brasileiros e muitos estrangeiros, de todas as colorações ideológicas, é sempre com constrangimento que, no dever que me imponho de cidadão, sinto-me na obrigação de expor opinião contrária àqueles expoentes do direito, que, sendo amigos, encontram-se em funções públicas.
Ao ler a Constituição, cujos trabalhos acompanhei de perto, participando de audiências públicas, oferecendo textos, alguns aprovados pela Constituinte e, informalmente, assessorando alguns constituintes, não consigo encontrar nenhum dispositivo que justifique a um ministro da Suprema Corte impedir a posse de um agente do Poder Executivo, por mera acusação de um ex-participante do governo, sem que houvesse qualquer condenação ou processo judicial a justificar. A simples suspeita de que foi escolhido por ser amigo do Presidente da República e poder influenciar procedimentos administrativos levantados por um desafeto do primeiro mandatário não justifica, constitucionalmente, a invasão de competência de um poder em outro.
Se meras suspeitas servirem, a partir de agora, o Poder Judiciário estará revestido de um poder político que não tem, constitucionalmente, de dizer quem poderá ou não ser nomeado de acordo com a visão do magistrado de plantão, mesmo que não haja qualquer condenação ou processo judicial em relação àquele pelo Executivo escolhido.
A partir da decisão do grande constitucionalista Alexandre de Moraes, a quem admiro, com quem tenho livros escritos, somos confrades em academias jurídicas e participamos de bancas de doutoramento juntos, qualquer magistrado de qualquer comarca do Brasil poderá adotar o mesmo critério e por acusações, fundadas ou infundadas, não examinadas pelo Poder Judiciário, em processos com o direito inviolável à ampla defesa, impedir nomeações que são de exclusiva atribuição constitucional do chefe do executivo de qualquer município, estado ou da própria União.
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Não entro no mérito de quem tem razão (Bolsonaro ou Moro), mas no perigo que tal decisão traz à harmonia e independência dos poderes (artigo 2º da CF), a possibilidade de uma decisão ser desobedecida pelo Legislativo que deve zelar por sua competência normativa (artigo 49, inciso XI) ou de ser levada a questão — o que ninguém desejaria, mas está na Constituição — às Forças Armadas, para que reponham a lei e a ordem, como está determinado no artigo 142 da Lei Suprema.
A insegurança jurídica enorme que o Poder Judiciário traz sempre que foge à sua competência técnica para ingressar na política, além de levar todo o partido derrotado nas urnas ou nas votações do Congresso pretender suprir seu fracasso representativo recorrendo ao Supremo Tribunal Federal para que este, politicamente, lhe dê a vitória não obtida no exercício de sua função eleitoral.
Não sem razão, temos visto as sessões técnicas de antigamente — quando sustentei pela primeira vez perante o STF, em 1962 ou 63, dois dos atuais ministros não tinham nascido — serem substituídas por seções em que muitas divergências ministeriais são respingadas por ofensas mais pertinentes às discussões legislativas.
Se as suspeitas do ex-ministro são verdadeiras, que haja o devido processo legal com o DIREITO A AMPLA DEFESA, com o que, havendo comprovação, não só a posse não pode ocorrer, mas como se deve punir o culpado, se algum delito foi cometido.
A minha irrestrita admiração de velho professor de Direito Constitucional ao Pretório Excelso e aos onze ministros que o integram, não poderia, todavia, afastar a obrigação, como mero cidadão, de externar meu desconforto em ver a Suprema Corte exercendo funções executivas e invadindo competências alheias, que entendo não ter, e gerando insegurança jurídica e não a estabilidade e a certeza no direito que toda a nação deseja.
Fonte: “Consultor Jurídico”, 8/5/2020