Saqueada por um bando de ladrões e devastada por 13 anos de erros e irresponsabilidades, a maior empresa do Brasil, a Petrobrás, apenas começa a emergir do atoleiro. O lucro trimestral de R$ 370 milhões ficou muito abaixo dos R$ 2 bilhões projetados por analistas financeiros. Mas pelo menos as contas ficaram positivas depois de três períodos no vermelho. A reconstrução ainda vai ser demorada e será impossível, já avisaram os novos administradores, completar os investimentos de US$ 20 bilhões programados para este ano. Com prejuízo de R$ 2,17 bilhões no primeiro semestre, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) também exibe as marcas do governo petista. Em um ano a provisão para risco de crédito passou de R$ 480 milhões para R$ 4,44 bilhões, aumentando 824,4%. Mas os danos à Petrobrás e a outras estatais são apenas marcas especialmente visíveis dos estragos causados por uma rara combinação de incompetência, irresponsabilidade, arrogância e corrupção. Não cabe nessas tabelas a parte mais importante e mais impressionante da história.
Nem tudo é explicitado nos balanços e nas demonstrações de lucros e perdas. Não aparecem, por exemplo, as consequências econômicas – para a empresa e para o País – do enfraquecimento da Petrobrás. Não se explicitam os efeitos do enorme desperdício de recursos nas operações do BNDES ou de outros bancos estatais. Não se passa diretamente dessas contas para a inflação e para a deterioração da economia nacional, mas todos esses fatos são componentes da mesma história.
Parte do balanço dessa longa noitada de farras e desmandos vem sendo realizada pela Operação Lava Jato. Nenhuma investigação igualmente profunda foi iniciada em outras áreas da administração indireta, mas um de seus desdobramentos atingiu a Eletronuclear e já resultou em condenação. Como o aparelhamento, o loteamento e a barganha têm dominado a alocação de altos postos no sistema estatal, ninguém se surpreenderá se novas investigações mostrarem uma rede muito mais ampla de escândalos.
Neste emaranhado de bandalheiras e de irresponsabilidades, nem sempre é fácil distinguir o crime da mera incompetência. Mas os dois conjuntos de ações convergiram na produção do desastre maior. Só de transferências do Tesouro o BNDES recebeu mais de R$ 400 bilhões a partir de 2009. Era dinheiro destinado ao Programa de Sustentação do Investimento (PSI), criado para durar poucos meses, como parte do combate à recessão, mas só extinto no ano passado.
As aplicações do banco, destinadas preferencialmente a grandes grupos e vinculadas à criação de campeões nacionais, consumiram enormes volumes de dinheiro, com resultados abaixo de pífios e, em alguns casos, escandalosos.
A crise da indústria, iniciada no meio do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, comprova há muito tempo o erro das decisões. Pelos dados oficiais, a produção geral da indústria cresceu 0,4% em 2011, diminuiu 2,3% em 2012, aumentou 2,1% em 2013 e depois encolheu sem parar. Houve resultados negativos de 3% em 2014, 8,2% em 2015 e 9,1% no primeiro semestre de 2016.
Não houve apenas um enorme recuo da produção. Houve também, mais grave que isso, uma desastrosa perda de produtividade e de poder de competição. O governo gastou bilhões em subsídios ao crédito, perdeu bilhões em desonerações fiscais e criou programas vinculados a protecionismo comercial. Nada funcionou, porque os setores favorecidos se acomodaram no esquema de favores, enquanto puderam, e deixaram de investir.
A maior prova disso é o recuo tanto da produção quanto da importação de bens de capital (máquinas e equipamentos). A Petrobrás, submetida a uma política de conteúdo nacional na compra de equipamentos e componentes, teve de suportar custos maiores e de perder eficiência também por isso. A crise da fornecedora de sondas Sete Brasil, levada à recuperação judicial, é parte dessa história altamente imprópria para menores.
O desarranjo das contas públicas, a inflação acima dos padrões dos países desenvolvidos e emergentes, a recessão, o desemprego de mais de 11 milhões e a contração do comércio exterior são efeitos desses erros e desmandos. Uma história mais completa incluiria as pedaladas e a maquiagem das contas públicas, a gestão desastrosa do setor elétrico e a contenção de preços da gasolina, mas nem é preciso avançar nesses detalhes.
O superávit comercial só voltou a ocorrer porque as importações caíram mais que as exportações. De janeiro a julho o valor dos bens importados foi 27,6% menor que o de um ano antes, pela média dos dias úteis. A receita das vendas externas foi apenas 5,6% inferior à de janeiro a julho de 2015. Ainda assim, o superávit de US$ 28,23 bilhões só foi possível porque o agronegócio teve um saldo positivo de US$ 45,58 bilhões, suficiente para compensar com sobras o déficit conjunto dos demais setores.
Há sinais de estabilização da economia. Se o governo provisório se converter em efetivo, terá mais força para implantar medidas de arrumação das contas públicas. O crescimento poderá recomeçar, facilitado pela enorme capacidade ociosa da indústria. Mas crescimento para valer – duradouro e pelo menos na faixa de 4% a 5% ao ano – só virá se a economia se tornar muito mais eficiente e competitiva. Isso dependerá de contas fiscais em condições aceitáveis, de inflação menor (com juros também menores) e de muito investimento em capital fixo e em boa educação.
A política educacional só irá para o rumo necessário se o populismo for abandonado e a qualidade, revalorizada. Perdeu-se tempo alargando as portas de ingresso em faculdades, enquanto se desprezava a boa formação fundamental e média.
A exigência de boa formação em linguagem, matemática e ciências foi rotulada como preconceito elitista, como se nos países mais capazes de competir e de gerar bons empregos a educação fosse tratada com populismo e descuido. A recriação de um país próspero vai dar muito mais trabalho que a mera reativação da economia.
Fonte: O Estado de S.Paulo, 14/08/2016.
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