O Instituto Millenium entrevistou Helio Beltrão, formado em que Finanças com MBA pela Columbia University de Nova York e membro do conselho de administração do Grupo Ultra, da Le Lis Blanc, da Artesia Investimentos, do conselho consultivo da Ediouro Publicações e da Lab SSJ.
Beltrão falou ao Imil sobre crise mundial, desregulamentação da economia, capitalismo, Governo Dilma, Eleições americanas e mobilização social, controle estatal e Internet: “Acredito que a internet mudou o mundo e estão tentando tirá-la parcialmente de nós. Não podemos deixar isso acontecer, mas isso passa por mobilização e educação. O máximo que posso recomendar é que as pessoas acompanhem, leiam bastante e decidam por elas próprias o que fazer”.
Instituto Millenium: Recentemente o Sr. participou de um debate sobre o filme “Trabalho Interno”, que faz um panorama da crise financeira. Na visão do diretor, a crise de 2008 foi um episódio evitável, fruto da desregulamentação, falta de controle público e de um sistema corrupto. Concorda com essa visão?
Helio Beltrão: Não concordo. Na verdade ele elenca dois temas para sua teoria. Primeiro a de que a desregulamentação tenha causado a crise – que eu discordo em parte e vou explicar por que. E a outra tese é de que a ganância gera destruição para todos, o que eu discordo completamente.
É muito difícil afirmar que a desregulamentação tenha causado a crise, pois o setor financeiro é mais regulamentado e estatizado de todos. O setor financeiro começa, em primeiro lugar, pelo dinheiro que podemos usar: somente aquele feito pela nossa Casa da Moeda e nenhum outro. E o Banco Central (BC) tem o controle dos juros da economia como um todo. Por isso, a cada 45 dias, ficamos esperando a decisão que vem lá do BC que, como o próprio nome diz, é um sistema altamente centralizado no governo. Então, um sistema que trabalha com esse grau de estatismo que é o mais alto entre os setores que eu conheço (exceto os setores que o governo estatizou integralmente para si próprio), fica difícil dizer que a desregulamentação causou o problema, pois há outro lado da regulamentação que é gigantesco e que pode perfeitamente explicar o problema.
Por outro lado, se existe todo esse grau de estatismo e o banqueiro faz besteira e quebra, o BC vai salvá-lo; se ele faz as coisas certas ele ganha o dinheiro, ou seja, o lucro é privado, mas o prejuízo e socializado. É claro que em um sistema com esse tipo de incentivo os banqueiros vão ser mais irresponsáveis que o normal e você vai ter incentivo pra fazer um monte de besteira. Então, em tese, parece até razoável que você controle o que esse banqueiro pode ou não fazer. Eu discordo do conceito como um todo de regulamentação, mas já que tudo é centralizado e ainda por cima, se esse banqueiro fizer besteira a gente que paga, então vamos dizer, pelo menos, como esse cara pode operar.
Nos Estados Unidos é diferente do Brasil. Aqui, se um banco quebra, em tese, os gestores são demitidos e os acionistas têm que fazer o pagamento de todos os seus compromissos com seu patrimônio pessoal. Lá nos Estados Unidos, se o banco quebra, quebrou, os gestores não são responsáveis pessoalmente, a menos que haja negligência grave, e os acionistas também não. Então, como mencionei, faz mais sentido nesse cenário totalmente estatizado que se tenha um maior controle sobre o que esse cara pode ou não fazer por que um eventual prejuízo vai ficar conosco.
Imil: Neste que é um ano de eleições presidenciais nos Estados Unidos, qual a expectativa, principalmente para a economia?
Beltrão: Acho que não muda muito com a eleição nos EUA. Minha impressão é que o Obama continua com a maior chance de ser reeleito. O grau de discricionariedade do Presidente, do executivo, para fazer programas que pareçam que estão funcionando ou que sejam favoráveis a um determinado grupo de interesses (aposentados, pessoas que necessitam de assistência de saúde etc.) permite um certo populismo que tende a fazer com que ele seja reeleito.
E mesmo que não seja, o candidato mais provável pelo partido republicano, MittRomney, não é tão diferente do Obama. Nenhum dos dois parece estar comprometido em reduzir o tamanho do governo, diminuir a regulamentação da economia, o que, na minha opinião, faria com que os EUA voltassem a crescer de uma forma sustentável. Isso é arrumar uma forma de pagar as dívidas que o governo têm e que só aumentam. O endividamento americano, só no governo Obama, duplicou em relação a todo endividamento de toda a história dos Estados Unidos. Começou com U$ 6,5 trilhões de endividamento e hoje tem certa de U$ 13 trilhões.
Obama duplicou a história da divida americana. Enquanto continuar assim, e não acredito que nem ele nem o Mitt Romney tenham vontade de realmente lidar com a questão do endividamento público, a economia americana vai patinar, não tem jeito. Para a economia americana se soltar é preciso que diminua o nível de alavancagem do sistema, a dívida do governo americano, e que se desregulamente e permita que o empreendedor possa empreender mais.
Mas isso não está com cara de acontecer, tampouco parece que vai haver uma crise ainda maior no curto prazo nesse ano de 2012 e 2013. Acho que em algum momento vem uma crise mais severa mas eles estão comprando tempo, fazendo essas políticas paliativas, como injeção de dinheiro no sistema, baixa de juros, mas isso só empurra com a barriga o dia da conta que vai chegar. Não acredito que esse ano ou ano que vem seja o dia do juízo final para essa conta, acho que leva mais uns dois ou três anos, mas a crise que vai vir vai ser ainda pior que a crise de 2008.
Imil: E no Brasil, no segundo ano de governo Dilma, qual a expectativa?
Beltrão: Acho que o Brasil teve um sucesso desde 94/95 quando os políticos foram forçados a fazer um ajuste nas contas públicas, na inflação, no câmbio etc., porque ninguém aguentava mais aquela inflação desenfreada, aquele completo descontrole do governo que causava uma incerteza enorme e prejuízos no setor privado. Finalmente, então, eles foram obrigados a fazer esse ajuste que se deu nessas três variáveis. Em primeiro lugar na inflação, ou seja, não ter uma inflação alta. Em segundo, nas contas públicas, ou seja, o governo não gastar mais do que arrecada descontroladamente – eles continuam gastando mais do que arrecadam, mas não descontroladamente. E o terceiro, o balanço de pagamentos, quando tínhamos perda de reserva que causavam maxi desvalorização, com o câmbio flutuante isso foi minimizado.
Grosso modo, foi o que permitiu que o Brasil sofresse relativamente pouco com a crise e é o tripé fundamental para continuarmos a ter essa resiliência. Eu vejo esse tripé com preocupação: a inflação está bastante alta – 6,5% no IPCA e em outros indicadores estão em cerca de 10% ou até mais – as contas públicas, embora aquelas mais importantes, o superávit primário, déficit nominal e a divida liquida pública pareçam estar comportadas, mas o governo esta usando o artificio de usar o BNDES para fazer gastos.
Eles chamam de investimentos, mas são dispêndios e esses dispêndios não se sabe se serão bons ou ruins, só saberemos no futuro, isso normalmente seria quantificado como déficit ou despesa numa contabilidade conservadora. Então todo esse dinheiro que esta sendo carreado para o BNDES não esta aparecendo na contabilidade oficial, e eles estão usando esse dinheiro para fazer os programas dos amigos do rei. Portanto, essa é uma grande preocupação. No caso do câmbio, não vejo preocupação, mas essas duas são muito importantes e me preocupam muito. Acho que temos que monitorar, se realmente isso continuar e não houver uma baixa da inflação, o Banco Central agindo para conter a inflação, ao contrário, ele esta reduzindo juros que foi o que aconteceu na véspera da crise de 2008 nos países envolvidos – nosso Banco Central está fazendo parecido. Enquanto o cenário continuar eu vou estar muito preocupado. Espero que eles tomem jeito e voltem ao conservadorismo fiscal e monetário que fizeram com que a gente tivesse esse relativo sucesso até agora.
Imil: Em um artigo recente você aponta que os protestos online inspiraram levantes reais pelo mundo e que enquanto isso os governos tem se mostrado mais autoritários. Este autoritarismo e também os crescentes protestos, teriam alguma relação com o momento econômico? E qual sua opinião sobre os projetos de lei que tramitaram no Congresso norte-americano e visavam controlar o fluxo de conteúdo na internet?
Beltrão: Não há dúvida de que há um nível de inquietação enorme com a crise, que afetou bancos e quando os governos não deixaram os bancos falirem, passou a afetar os próprios governos que salvaram os bancos. Quando o governo chega num nível de endividamento muito alto, isso sai do controle, pois é necessário que o governo aumente impostos e/ou reduza gastos drasticamente para fazer frente a essa nova divida. O que gera um problema na economia, principalmente quando se aumentam os impostos ou simplesmente deixam a dívida crescer. Isso gera uma série de protestos, como vimos na Grécia.
O que mostra que as populações não têm mais paciência com esse imobilismo governamental de atacar as causas do problema. Então, sem dúvida, a crise financeira tem uma enorme correlação com os protestos mundo afora e, arrisco a dizer, que os governos estão preocupados com os protestos em geral e procurando artifícios para coibir o meio que é a internet, que está sendo utilizado em grande escala para as pessoas se mobilizarem. A Internet em si não faz nada, ela é só um meio, mas que está sendo muito eficazmente utilizado para canalizar a insatisfação.
Os governos têm medo do que isso pode gerar e estão arrumando artimanhas para censurar a Internet. Um exemplo são essas iniciativas como a SOPA e a PIPA. Como escrevi neste artigo, sempre há uma intenção que parece boa, mas por trás você sabe que tem outras coisas em jogo.
Neste caso, a intenção é impedir a cópia e a pirataria, mas na verdade o governo passa a utilizar os provedores de informação, os nós centrais, para fazer esse serviço de “Big Brother” pra eles. Eles dizem: “Se por acaso tiver alguém aí usando alguma frase, imagem, qualquer coisa que não seja original e não detenha os direitos, eu posso te multar. Eu peço todas as informações e você tem que me dar e posso inclusive te fechar.” Um governo que tem esse poder, essa ingerência tão grande nos nós-chave da Internet, é um governo que é efetivamente um “Big Brother”, e do pior tipo, aquele que usa agentes terceiros.
Como no fascismo, o governo deixava a iniciativa privada atuar, mas só poderia fazer o que o governo deixasse. Isso me remete um pouco ao fascismo nesse sentido: O governo passa a ter o controle sobre todo o conteúdo online que pode ser usado não apenas para a desculpa inicial de proteger a propriedade intelectual mas sim, efetivamente, fazer censura que é certamente o que eles desejam também. Este é o perigo.
Vimos com bastante alívio como a mobilização contra esse primeiro ato, a SOPA, foi tão grande que eles foram obrigados a retirar momentaneamente – é claro que, como a nossa extinta CPMF que tentam ressuscitar o tempo todo, eles vão tentar ressuscitar a SOPA sob outro formato, mas sofreram uma derrota inicial grande. Temos que tomar muito cuidado com o que vem por aí. Especialmente por que tudo o que acontece lá fora, em geral o Brasil é ou obrigado a seguir – por que são normais, tratados, etc.- ou tende a imitar. Essa discussão é muito importante, é uma grande guerra e pelo menos essa primeira batalha a internet ganhou. Temos que acompanhar.
Imil: Neste mesmo artigo, o Sr. aponta que é um mito acreditar que a rede estaria acima dos governos e que não haveria motivos para se preocupar com a censura na internet por essa ser um meio livre por definição. Também aponta que “uma eventual sonolência da população significará a perda lenta e contínua perda de benefícios que temos obtido com o livre fluxo de ideias”. O que o cidadão precisa saber sobre isso e o que ele deve fazer para evitar essas ideias que dão origem a projetos de lei como estes?
Beltrão: A primeira parte dessa pergunta é uma coisa que muita gente fala sem conhecimento: “Não tem como ser censurado porque a internet é tecnologia nova, as pessoas conseguem sempre driblar, por exemplo, via proxy services, atalhos.” Isso, se for verdade, é só parcialmente verdade. Porque o governo quando passa uma lei você pode ser preso e qualquer pessoa que corra o risco de ser preso vai pensar dez vezes.
As leis que estão sendo propostas têm um poder destrutivo gigantesco, principalmente porque são feitas em alianças entre governos e, certamente, o Brasil estaria envolvido nessas discussões. Ou seja, eles não vão fechar o cerco somente nos EUA, e sim no mundo inteiro. Isso é um problema grave e não podemos nos iludir que brincar de “nerd” vai fazer com que driblemos esse tipo de lei.
O que precisamos fazer é estar cientes do que acontece e agir nesse sentido: é ler, o Millenium, o Mises, acompanhar o que esta acontecendo, usar as mídias sociais para retuitar, rebater as coisas que você aprender, acompanhar e entender qual é a discussão em curso.
Acredito que a internet mudou o mundo e estão tentando tirá-la parcialmente de nós. Não podemos deixar isso acontecer, mas isso passa por mobilização e educação. O máximo que posso recomendar é que as pessoas acompanhem, leiam bastante e decidam por elas próprias o que fazer.
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