O Brasil sofreu nos últimos anos de uma carência de liderança política. Vinda de um economista, como é o meu caso, tantas vezes acusado de ter um “raciocínio tecnocrático”, a frase pode surpreender. Entretanto, estou convencido de que o grande problema do país tem sido nossa alarmante falta de liderança política.
Não sou político e portanto nunca enfrentei uma eleição relevante, noves fora um já longínquo passado de — modesto — engajamento no movimento estudantil e alguns anos no conselho de um prédio em que vivi. Por outro lado, tenho mais de duas décadas e meia de prática de participação em debates acerca dos mais diversos temas controversos, desde quando nos anos 80 ia aos sindicatos me opor à tese da moratória da dívida externa — na época em que o PT liderava essa bandeira, na sua fase ainda punk — até minhas idas em anos recentes a todo tipo de evento para defender a reforma previdenciária, passando pela tese do “reajuste salarial pela média e não pelo pico” nos famigerados anos da nossa hiperinflação tupiniquim.
Essa experiência me deu uma convicção: nunca se deve subestimar o bom senso da audiência. O maior elogio profissional que escutei desde que me formei em 1983 foi dito por quem discordava radicalmente do que eu tinha dito, mas não sabia que argumentos usar para se opor. Foi de um sindicalista que, no Fórum da Previdência de 2007, depois de ouvir minhas propostas sobre o tema, declarou formalmente que estava “preocupado com a crueldade do Giambiagi” — uma óbvia concessão à retórica vazia —, mas a seguir disse que “o que me deixou mais preocupado é que ele foi convincente”.
Algumas das reformas das quais o Brasil tanto precisa poderiam ser aprovadas se as autoridades fossem a campo explicar aos parlamentares e à opinião pública as suas razões. Quando o governo a) tem um diagnóstico claro, b) o expõe de modo convincente e c) articula com competência no Congresso, ele ganha.
Para mostrar que não estou falando em tese, como acadêmico, expondo coisas inaplicáveis na prática do dia a dia da política, basta citar dois casos: 1) o Plano Real, uma notável obra de engenharia política, explicada paciente e convincentemente ao longo de quatro meses pelo então candidato Fernando Henrique, que ainda não tinha virado FHC; e 2) a Lei de Responsabilidade Fiscal, combatida ferozmente pelo PT, mas exposta “n” vezes, defendida com bons argumentos e aprovada com poucas modificações após um tratamento legislativo exemplar, pelos meus amigos na época autoridades Martus Tavares e Guilherme Dias, com a competente assessoria de José Roberto Afonso, três craques na matéria. Mais recentemente, em 2011, ainda sob a competente liderança do então ministro Palocci, cabe lembrar que o governo Dilma Rousseff conseguiu aprovar o reajuste real zero para o salário mínimo naquele ano, com grande tranquilidade no placar de votação.
Peter Drucker gosta de afirmar que “management is doing things right. Leadership is doing the right things”. O Brasil precisa de liderança. Foi triste ver nos últimos anos políticos da base aliada experts em manobras partidárias, mas incapazes de expor uma única idéia articulada acerca do que desejavam para o Brasil.
Não precisamos de indivíduos que sejam candidatos para defender diante da população o que as pesquisas de opinião indicam que ela quer. Para isso, bastam as empresas que pesquisam a opinião do eleitorado. O que o Brasil requer é um debate que se trave no Congresso em torno de agendas, em que cada grupo político exponha suas idéias e o cidadão acompanhe e opine, como ocorre em qualquer democracia.
Goethe dizia que “as frases que os homens estão acostumados a repetir incessantemente acabam se tornando convicções e ossificando os ossos da inteligência”. Está na hora de perceber que, por trás da retórica vazia das grandes platitudes, há apenas isso: grandes platitudes. Estamos completando o ciclo de crescimento iniciado em 2004 e precisamos de propostas firmes, que possam ser defendidas, com convicção e empenho, diante do Congresso Nacional. No Parlamento brasileiro, quando o Governo articula e convence, ele vence. E — nunca é demais lembrar — o papel da liderança política é liderar. Fechadas as urnas, é isso o que o país espera.
Fonte: O Globo, 10/11/2014.
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