Vivemos tempos extraordinários. O regime de moeda fiduciária e as redes de solidariedade social, importantes instituições da civilização ocidental, estão sob ameaça. As crises bancárias, o colapso do crédito, a quebradeira no setor imobiliário, a bancarrota de governos nacionais e a falência das redes de solidariedade e assistência social são sintomas dos excessos cometidos por financistas anglo-saxões e social-democratas europeus.
Os americanos abusaram e continuam abusando do poder de emitir a moedareserva da economia mundial. E prosseguirão abusando enquanto os bancos centrais de todo o mundo continuarem absorvendo essas emissões. Os americanos simplesmente fogem da verdade, sua perspectiva de declínio, inflando e reinflando preços de ativos em bolhas sucessivas até a explosão final.
Já os europeus abusaram das promessas feitas por governos nacionais em nome de seus contribuintes. Empreguismo, corporativismo, inchaço do setor público, benefícios e aposentadorias irrealistas engordaram sem limites os orçamentos públicos sob o embalo da utopia social-democrata. E agora se encontram trancados em uma sala de espelhos, da qual não conseguem escapar. É a jaula do euro, em que entraram por ambições geopolíticas de enfrentamento aos americanos.
Há mesmo uma enorme controvérsia a respeito do futuro do euro. Pois haverá sempre quem queira quebrar os espelhos para que não se desmoralizem os governos nacionais inchados e ameaçados de insolvência. Quem suportaria tanta verdade? Não seria mais fácil condenar a moeda continental europeia à extinção? O mais impressionante é que a moeda única desagrada a gregos e troianos, até mesmo aos alemães, os maiores beneficiários pelo estímulo a sua engrenagem extraordinariamente produtiva.
Os gregos descobriram, irritadíssimos, que nem os deuses do Olimpo podem mais garantir o paraíso social-democrata na Terra. Sonegação desenfreada de impostos e aposentadorias dionisíacas são incompatíveis. Os irlandeses se disfarçaram de europeus continentais para se endividarem em euros a juros baixos, mas depois especularam formidavelmente como legítimos anglo-saxões.
A Espanha revelou-se um monstro de duas caras, metade atolada na farra do crédito excessivo para especulação imobiliária, enquanto a outra metade, embriagada pelo socialismo, afundava no pântano dos orçamentos públicos estourados. Chegou a hora da verdade.
Publicado no jornal “O Globo”, em 06/12/10
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