A democracia brasileira sai fortalecida com o segundo turno entre Serra e Dilma. Ao contrário do que aconteceu na primeira rodada, agora os eleitores têm a oportunidade de cobrar certas questões dos candidatos. O país perderia muito se um simples “dedaço” do presidente Lula encerrasse o pleito sem um mínimo de debate aprofundado. Ainda mais no meio de uma enxurrada de escândalos envolvendo o mais elevado escalão do governo.
A primeira questão a ser levantada é justamente sobre ética. É chegada a hora de Dilma explicar em maiores detalhes o que se passou na Casa Civil, uma vez que Erenice Guerra foi alçada ao poderoso cargo por sua indicação. O tráfico de influência teria ocorrido bem debaixo de seus olhos, e a candidata precisa dizer aos eleitores se faltou competência para escolher melhor seus aliados mais próximos, ou se houve cumplicidade. Não custa lembrar que José Dirceu, que outrora ocupou o mesmo cargo e de lá saiu sob a acusação de “formação de quadrilha”, continua bem próximo da cúpula de poder do PT.
Outro tema que merece maior atenção é a economia. O momento atual dificilmente poderia ser melhor: o crescimento deve fechar o ano acima dos 7%. Entretanto, o mais importante é a sustentabilidade deste crescimento, e não devemos deixar a miopia comprometer o foco no futuro. Vários pilares do crescimento são frágeis e insustentáveis, e continuamos dependendo bastante do cenário externo, especialmente da China. O Brasil precisa enfrentar de uma vez por todas as reformas estruturais que permitiriam colocar o país numa trajetória sustentável de crescimento.
Os candidatos devem apresentar quais são suas efetivas propostas para resolver os principais gargalos que impedem um vôo de águia, em vez do tradicional vôo de galinha a que estamos habituados. Quais serão as mudanças propostas para o sistema previdenciário, por exemplo, cujo rombo crescente representa uma bomba-relógio? Quando a demografia deixar de ajudar, com o inevitável envelhecimento da população, o modelo atual mostrará a sua completa fragilidade.
Aumentar alguns anos a idade da aposentadoria é medida paliativa, sem efeito concreto. A candidata Marina Silva, no último debate da Rede Globo, chegou a tocar no cerne da questão, ao mencionar a necessidade de um modelo de capitalização. O Chile conseguiu bastante êxito em sua reforma previdenciária, justamente por adotar contas individuais de capitalização. Nada mais justo do que o aposentado receber de acordo com aquilo que poupou ao longo da vida. Qual candidato pretende encarar este desafio? Quem ousa atacar os privilégios dos marajás do setor público?
A reforma tributária é outra que merece total atenção. Qual dos dois candidatos possui planos concretos para lutar pela simplificação dos tributos no Congresso? Algum deles tem realmente um programa de governo que possa cortar os gastos públicos para possibilitar uma carga tributária menos absurda? O Brasil perde competitividade frente aos concorrentes emergentes em boa parte devido ao excessivo peso dos impostos, e estes só poderão ser reduzidos quando a fome do governo por recursos diminuir. Qual candidato pretende colocar o governo obeso numa dieta séria?
Nossas leis trabalhistas conspiram contra o empresário e, por conseguinte, contra os próprios trabalhadores. São infindáveis “conquistas legais” que parecem maravilhosas no papel, mas que, na prática, jogam cerca de metade dos trabalhadores na informalidade. Os mais jovens e inexperientes, com baixa produtividade, são os mais afetados. O custo efetivo para a empresa chega ao dobro do salário recebido pelo trabalhador. As máfias sindicais agradecem, mas não aqueles trabalhadores informais ou desempregados. Qual dos candidatos possui um projeto para flexibilizar as leis trabalhistas brasileiras?
As eleições serviram para mostrar a urgência de uma reforma política também. Para começo de conversa, o voto deve se tornar totalmente facultativo. É assim em todas as democracias avançadas, e não faz sentido manter o voto obrigatório. Além disso, faz-se necessário aproximar mais o candidato dos eleitores, e somente o voto distrital pode fazer isso. Por fim, não faz sentido o Norte e o Nordeste concentrarem um poder totalmente desproporcional em relação tanto ao tamanho da população como à participação no produto nacional. Um federalismo verdadeiro é crucial. Qual candidato defende isso?
Existem muitas outras questões importantes. Agora os eleitores contam com a chance de cobrar dos candidatos algumas respostas. Que não a desperdicem!
Caro Rodrigo, para toda e qualquer eleiçãozinha “a democracia brasileira sai fortalecida”. Parece-me uma pomposa afirmação de que não somos bolivianos.