Causou muito impacto a divulgação da variação do PIB norte-americano no segundo trimestre: -32,9%. Só que havia um pequeno detalhe, não esclarecido inteiramente na mídia. É prática comum nos EUA divulgar a taxa anualizada, no caso, a do segundo trimestre ante o anterior, elevada à potência 4. Se fizéssemos a operação inversa, a taxa que a maioria costuma olhar seria de -9,5%. Para chegar ao dado anual, mais utilizado por aqui, teríamos de tirar a média de todos os índices trimestrais de 2020 e compará-la com a dos de 2019. Sem estes, e se acreditarmos na última projeção do FMI, a taxa de 2020 ante 2019 estaria ao redor de -8%.
Falta comparar esses dados com os do Brasil. No nosso caso, usando o IBC-BR como proxy do índice do PIB, e supondo junho igual a maio, chega-se à taxa anualizada de -39,3%, ou -11,7% no trimestre, para confrontar com as taxas norte-americanas de -32,9% e -9,5%. Ou seja, nossas taxas são bem piores. E, para uma comparação simples com a projeção que o FMI fez para nós, de -9,1% para o ano todo de 2020, se assumirmos que o IBC-BR, proxy do nosso PIB calculada pelo Banco Central, será o mesmo de maio até o fim do ano, teremos a taxa de -11,3%, também pior que a feita pelo FMI para os EUA.
Corremos, pois, o risco de ostentar uma das piores quedas de PIB neste ano no mundo. Principalmente sob o alto risco de estarmos no início de uma segunda onda de contaminação da covid-19, o que fica cada vez mais evidente. Ou seja, estamos vivendo uma situação de “economia de guerra”, em que o “velho normal” ou as prioridades, os instrumentos de ação e o momento adequado de pôlos em prática devem ser cuidadosamente repensados. Não se deve, pois, jogar todas as fichas nas reformas estruturais – sujeitas a contestações de segmentos com maiores perdas. Mesmo com resultados importantes, estes só serão sentidos após alguns anos. Assim, o governo deveria concentrar esforços na aceleração dos investimentos imediatos por todos os caminhos disponíveis, reduzindo as barreiras que lhes são interpostas.
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Conforme o segmento envolvido, diferentes serão as receitas a aplicar. No tocante aos 60 projetos de concessões rodoviárias do País, a serem, entre outros, reequilibrados por causa da covid-19, trata-se de obter uma trégua dos órgãos de controle, e de fazer acordos com os poderes concedentes e outras forças relevantes, em que cada parte abre mão de algo, a fim de dar fim a inúmeras pendências. O importante é acelerar os investimentos que todos consideram viáveis de realizar num curto espaço de tempo, optando por extensão de prazo em vez de novas licitações, muito mais complexas e demoradas. Estima-se que, nesse contexto, daria para investir R$ 44 bilhões já.
Quanto aos governos, há um buraco imenso na previdência dos servidores públicos, que consome boa parte do orçamento e os impede de investir, em que pese a reforma de 2019. O buraco final é tão grande que as administrações estaduais, contrariando a lei, deixaram R$ 100 bilhões de atrasados de 2018 a 2019.
Trata-se de equacionar o passivo atuarial das previdências públicas, via especialmente aporte de ativos, com apoio da União para pagar atrasados e monetizar parte dos ativos aportados nos respectivos fundos de previdência. Isso feito, podem-se retirar os investimentos dos cálculos do teto.
Deve-se adicionar o tema da forte demanda sobre os escassos recursos das agências de fomento regionais, hoje integralmente aplicados. É grande sua capacidade de mobilizar itens como as reservas técnicas dos fundos de previdência subnacionais, fundos esses com ativos financeiros totais ao redor de R$ 165 bilhões, hoje em grande carência de remuneração. E lembro, também, sua capacidade de identificar oportunidades e estruturar operações de crédito, a fim de complementar o esforço para os recursos chegarem ao máximo de empresas e incrementarem seus programas de investimento, contribuindo para a expansão da oferta de produtos e o aumento da produtividade geral.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 13/8/2020
Foto: Tiago Queiroz / Estadão