Na virada do primeiro para o segundo mandato de Dilma Rousseff, a economia brasileira lembrava um balão cheio de gás, com um vazamento que tendia a ficar cada vez mais estreito, e uma capa cada vez mais esgarçada. A capa era a capacidade de produção do país, que cresce com os investimentos; o gás, as sucessivas injeções de demanda agregada de consumo que vêm ocorrendo há vários anos; e o ponto de vazamento era a saída para atendimento via importações.
Com base no alto grau de utilização de capacidade calculado para os últimos anos pela FGV e na taxa de desemprego batendo no fundo do poço, segundo cálculos do IBGE, chegáramos ao virtual pleno emprego dos fatores de produção, fato inédito louvado pelo governo. Esse diagnóstico só se esquecia de salientar que, sem uma mudança do tipo de enchimento do balão, o país tenderia, a partir dali, a crescer a taxas bem mais baixas do que se imaginava possível. Não é por outro motivo que, em 2014, o PIB subiu apenas 0,1%, após crescer às taxas não muito brilhantes de 3,9%, 1,8% e 2,7%, em 2011-13, mesmo após o mundo superar o auge da crise do subprime americano.
Em economês, isso significa que, pela insistência num modelo econômico errado, o crescimento do PIB potencial, por mais que seja difícil defini-lo e aceitar cálculos precisos do seu valor, caíra de algo ao redor de 4,4% ao ano, entre 2007 e 2010, para 3% em 2011, e 2,4% — ou menos nos dias de hoje. A saída, então, seria aumentar a poupança pública e voltar-se para a expansão do investimento, especialmente em infraestrutura, passando a adotar um modelo pró-investimento.
Não bastasse isso, o governo vinha chutando o pau da barraca da responsabilidade fiscal, deixando de buscar excedentes de caixa expressivos para cobrir juros e amortizações, de forma tal que os superávits primários desabaram e a razão dívida-PIB, tanto na definição bruta, como no conceito “líquido de ativos financeiros”, voltou a crescer sistematicamente, espalhando o pânico do temor de insolvência entre os mercados financiadores.
Isso se deu porque os gastos primários continuaram aumentando muito, e o crescimento da receita desabou por duas razões básicas: uma decorrente das desonerações tributárias destinadas a compensar a indústria pela perda de sua competitividade; e outra efeito da queda no crescimento do PIB sobre a arrecadação.
Tendo percebido que havia uma tendência à apreciação da taxa de câmbio, embutida no modelo pró-consumo, e à subida do custo unitário do trabalho na indústria — salário real médio dividido pela produtividade média da mão de obra –, prejudicando a rentabilidade industrial, o governo optou por tentar proteger a indústria via medidas específicas, como a que privilegiava o chamado “conteúdo nacional”, além das citadas desonerações tributárias. E o pior é que a produção industrial continua estagnada e/ou em queda desde 2008.
[su_quote]Foi o instinto de sobrevivência dos políticos que levou à mudança de atitude em relação à questão fiscal, pois a presidente sabia que caminharia para uma situação insustentável no comando do país caso nada fosse feito[/su_quote]
Dessa forma, antes de pensar em reverter a queda do crescimento do PIB potencial, o governo teve de lidar com a crise de confiança que se instaurou, levando à percepção de que o Brasil em breve perderia o selo de “bom pagador” das agências internacionais de risco. A consequência seria fatalmente uma crise de liquidez como as dos velhos tempos ruins, com efeitos desastrosos sobre a nossa economia.
A escolha de Levy para a Fazenda e o lançamento do polêmico programa de ajuste fiscal que se seguiu foi a resposta, na linha diametralmente oposta à que vinha sendo seguida, para evitar o pior, e tentar administrar o difícil momento vivido, inclusive em face da crise da Petrobras provocada pela Operação Lava-Jato.
Foi o instinto de sobrevivência dos políticos que levou à mudança de atitude em relação à questão fiscal, pois a presidente sabia que caminharia para uma situação insustentável no comando do país caso nada fosse feito. No início, nove entre dez analistas apostavam que o ajuste não se concretizaria. Só que, aos poucos, a confiança na capacidade de o governo se ajustar tem aumentado.
Um problema é que o ajuste fiscal implica retirar gás do balão, algo novo para a gestão Dilma. Desacelerando a demanda oriunda do setor público, a economia tende a crescer menos no curto prazo. É fato que apertar a política fiscal implica depreciar a taxa de câmbio, especialmente se a inflação não disparar. O mesmo efeito decorrerá da subida do Risco Brasil, que está espantando capitais de volta para o exterior.
Pelo menos isso levará ao aumento das exportações e ajudará a sair da recessão, o que será crucial para manter as contas em ordem, via recuperação natural da receita. Só que, para nos livrar mesmo da recessão e aumentar o PIB potencial, é preciso ainda remover os obstáculos que estão travando a expansão dos investimentos em infraestrutura, por obra e graça do governo, tanto na área de transportes, como no setor elétrico.
Neste, aliás, o governo negou-se a adotar um racionamento, quando essa solução já se impunha. No mais, desfigurou completamente o modelo de concessões privadas herdado da fase FH, assunto para outra coluna.
Fonte: O Globo, 13/4/2015
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