Aquela conhecida afirmativa de Hortênsio, personagem de A Megera Domada, de Shakespeare, de que entre maçãs podres a margem de escolha é pequena, reflete bem a opção que os eleitores brasileiros serão forçados a fazer nas eleições presidenciais de 2010: teremos quatro maçãs podres para escolher uma delas.
Com a desistência do governador mineiro, pelo andar da carruagem e salvo algum fato novo – a esta altura imprevisível -, as opções para o sufrágio serão Serra, Dilma, Marina e Ciro. Desses quatro produtos de macieiras, os dois últimos são enormes incógnitas: alguém conhece o pensamento econômico de Marina, a não ser que, caso seja eleita, talvez mande pintar de verde todos os prédios do Banco Central e do Ministério da Fazenda espalhados pelo Brasil? Tudo bem, o verde é uma bela cor. Mas, e quanto ao resto? E o que dizer de Ciro? Se o leitor souber objetivamente o que o ex-governador cearense pensa a respeito da política econômica, estou pronto a escutar. Mas, desde que andou fazendo aulas em Harvard com o ininteligível professor Mangabeira Unger, o cabra tornou-se também indecifrável… Os dois candidatos são, portanto, duas interrogações e, além disso, sua probabilidade de vitória é bastante remota, o que nos limita a analisar apenas as duas primeiras maçãs, que são as que têm maiores chances de serem escolhidas pelo povo.
É mesmo difícil a vida dos eleitores em nosso país, embora a maior parte deles nem desconfie disso… Se o sujeito simpatiza com as idéias liberais, no sentido de defender as liberdades individuais, os direitos de propriedade, a economia de mercado, o livre comércio e a democracia efetivamente representativa, então a escolha de um candidato razoável transforma-se em verdadeira tortura, em algo como procurar uma agulha em um palheiro.
A opção, então, nas eleições de 2010, será entre Dilma e Serra (ou entre Serra e Dilma, o que dá no mesmo). Eta escolhazinha danada de difícil! Melhor, para dizer a verdade, seria: nem um nem outra (ou nenhuma nem outro)… Ambos são esquerdistas, intervencionistas na economia, estão longe de serem modelos de simpatia e possuem perfis autoritários, centralizadores, atrabiliários e arrogantes. Ah, e como são feios! – embora beleza, obviamente, não seja condição necessária e nem suficiente para alguém concorrer a um pleito político…
Dilma representa, politicamente, a continuação do lulopetismo, praga que vem infestando o país desde janeiro de 2003, manifestada por crescente estatização, aparelhamento da máquina pública e sua tomada pelo partido, política externa manifestamente ideologizada, terceiro-mundista, simpática a Hugo Chávez, Correa, Morales, os irmãos Castro, Ahmadinejad e outras peças de museu assemelhadas e apoio aos ditos “movimentos sociais”, tais como os igualmente ditos “sem terras” – o que equivale ao consentimento do desrespeito aos direitos de propriedade -, tentativas de controlar a mídia sob o disfarce de um obscuro “controle social dos meios de comunicação”, investidas para enfraquecimento do Legislativo e do Judiciário, elevação do presidente à condição de demiurgo e outras aberrações deste tipo. Na economia, a candidata querida do atual presidente, para muitos, apesar de ser graduada no ramo, é uma incógnita: se for eleita, o que fará em relação às políticas fiscal, monetária e cambial? Como será o seu Banco Central? Terá alguém como Meirelles no comando ou algum heterodoxo, desses que acham que controlar a inflação não é assim tão importante e que a taxa de câmbio deve ser mantida desvalorizada para “proteger a indústria doméstica”?
Embora alguns, ingenuamente, acreditem que a referida senhora, caso seja eleita, manterá as linhas gerais da política econômica (principalmente a monetária e a cambial) de Lula, há razões de sobra para crermos que sua vitória, além de aprofundar o retrocesso político iniciado com o filho do Brasil, desencadeará também um recuo nos avanços obtidos – a duras penas – na política econômica, especialmente os observados de 1999 até o final da gestão de Antonio Palocci na Fazenda. É difícil imaginar que a candidata acredite ser importante buscar equilíbrio nas contas do setor público, ou que lhe agrade o câmbio flexível e, portanto, o regime de metas de inflação. Caso seja vitoriosa, o país andará, certamente, para trás em termos de política econômica: hosana às estatais, adeus câmbio flutuante e metas de inflação! E abaixo livre mercado! E Serra, será melhor – vale dizer, meno male? No que diz respeito à política econômica, o candidato tucano nos causa receios de retrocesso tão acentuados quanto os provocados por sua oponente petista. Dela, com boa vontade, podemos ao menos esperar que sua política econômica, embora de qualidade pior, não venha a afastar-se demais da de seu chefe e mentor (até mesmo para que este não lhe puxe as orelhas, pois tal afastamento arruinará a economia e poderá atrapalhar os seus planos para 2014), embora alguma deterioração, especialmente no Banco Central, certamente vá ocorrer. Mas o governador paulista sempre foi um crítico do regime de câmbio flutuante e do sistema de metas de inflação, desde o segundo mandato do presidente Fernando Henrique, quando foram implantados. Sempre os criticou, mas nunca disse claramente o que faria, caso fosse o responsável pela política monetária e cambial do país. Com ele, também será muito difícil a manutenção do regime de câmbio flutuante e do sistema de metas de inflação. O homem adora um controlezinho sobre os mercados. O seu DNA é intervencionista. Em suma, a vitória tanto de Dilma quanto de Serra, em termos de política econômica, acarretará incertezas que se abaterão sobre os mercados. Isto é muito grave, se levarmos em conta: (1) que ela ou ele assumirão a presidência em janeiro de 2011; (b) que em 2010, por conta do processo eleitoral, os gastos públicos deverão sofrer fortes aumentos; (c) que as previsões da maioria dos economistas apontam para uma queda de cerca de 40% em nosso saldo comercial; (d) que o Banco Central, segundo essas mesmas previsões, deverá aumentar a taxa básica de juros já em abril, ou, no máximo, em junho de 2010, algo que, certamente, não será bem visto pelos políticos que estão no poder e nele desejam permanecer a qualquer custo; (e) que a relação dívida interna/PIB está alta (perto de 45%) e deverá subir ainda mais; (f) que a inflação, caso os interesses eleitoreiros não permitam que o Banco Central aja corretamente, começará a ameaçar estourar não apenas o centro da meta, mas o seu limite superior; (g) que haverá forte ingresso de capitais externos no Brasil, pressionando o dólar a se desvalorizar e fortalecendo a velha demanda do setor exportador para mudanças no regime cambial; (h) por fim, como conseqüência de tudo isso, que o próximo presidente se deparará com uma verdadeira bomba-relógio, que terá forçosamente que desmontar. E não se desmonta esses artefatos – nossa história recente deveria ser mais do que suficiente para atestar isso – com as medidas heterodoxas de agrado tanto de Dilma quanto de Serra, mas, antes de tudo, com responsabilidade fiscal, moeda estável, flexibilidade cambial, economia de mercado, boa gestão da coisa pública e democracia representativa.
Há, diante desse quadro, teoricamente, três opções. A ideal deriva do princípio de Hortênsio, de que, diante de maçãs podres, o melhor a fazer é desprezá-las. Ou seja, melhor seria simplesmente ficar em casa, ou sair para um passeio e não votar, caso o voto não fosse antidemocraticamente obrigatório. A segunda alternativa seria anular o voto. Seria uma boa forma de protestar contra o estado de putrefação ética que contamina a atividade política no país. Mas, para que esse brado das urnas fosse ouvido, deveria ser gritado por, pelo menos, uns 40% do eleitorado, o que dificilmente vai acontecer, porque, se a grande massa de eleitores nem percebe que a escolha é entre dois candidatos de esquerda – e, se incluirmos os outros dois, entre quatro! -, como esperar que consiga distinguir as nuanças de cada candidato, que Dilma é uma esquerdista pitbull e Serra um esquerdista poodle? Resta, portanto, uma terceira opção, um third best. E é aí que entra um fator que talvez ajude o eleitor liberal, mesmo tapando o nariz, a optar. Ambos os candidatos são intervencionistas na economia, porém Serra é um social-democrata, semelhante ao estilo europeu, enquanto Dilma é – e o diz com orgulho – socialista. Por isso, politicamente a vitória de Serra significará um freio ao lulopetismo, o retorno a uma política externa menos ideológica e mais pragmática, a rejeição a essa estupidez chamada bolivarianismo, o final da farra na gestão das contas públicas, o início do desmonte do aparelhamento do Estado promovido pelo PT (uma tarefa por si só gigantesca, diante do estrago que vem sendo feito desde 2003), a aplicação da lei aos invasores “sem terras”, o respeito à liberdade de imprensa, menor desrespeito às liberdades individuais e a opiniões contrárias e busca por um equilíbrio entre os três poderes, fatores essenciais para que a democracia possa funcionar razoavelmente. Serra ou Dilma? Dilma ou Serra? Socialismo disfarçado de social-democracia – Serra – ou socialismo às claras – Dilma? Trata-se, como escreveu em artigo recente o economista Rodrigo Constantino, de uma verdadeira escolha de Sofia ou, se preferimos o bardo, de eleger entre duas maçãs podres, especialmente para os liberais brasileiros que, aliás, já estão mais do que acostumados a este tipo de opção: já faz tempo que não voto com prazer, a rigor, desde que Roberto Campos concorreu ao Senado (e não foi eleito). Estamos, inegavelmente, a cada eleição, condenados a votar em Fulano, porque seria pior eleger Beltrano (no caso, Beltrana). De minha parte, não consigo suportar mais isso! Mas o que fazer, se os liberais brasileiros, além de não passarem de três ou quatro gatos pingados, ano após ano, eleição após eleição, não mostram a mínima capacidade de organização? Se os quadros partidários estão “todos dominados” pela esquerda? E as universidades idem? E se na mídia não é diferente? Se a direita ou é corrupta como a esquerda ou envergonhada de assumir-se como direita? Se o povo é ignorante? E se a orquestração gramsciana competentemente montada o leva a crer que Dilma e o PT são símbolos de uma esquerda democrática e Serra e o PSDB emblemas de direita?
Não tenho outro jeito: com tristeza – pensando em como o meu país está ainda tão distante daquilo que poderia ser -, já que não há nenhum candidato que represente a liberal-democracia, meu voto irá para o Serra. Por mais que isso doa, não podemos desconsiderar que mais quatro anos com o PT no comando poderão levar o Brasil a assemelhar-se perigosamente a uma enorme Venezuela, isto é, a experimentar um processo gradual e permanente, quase imperceptível para a população, de supressão das liberdades individuais, uma a uma. Exatamente como naquele conhecido powerpoint que circula há tempos na internet, mostrando como se captura porcos selvagens: espalha-se o milho no centro, atraindo os animais; depois coloca-se uma cerca apenas em um dos quatro lados do cercado e quando os suínos acostumam-se com ela, coloca-se outra e em seguida mais outra e, por fim, a última. Os animais, que até então tinham acesso à comida e podiam sair e entrar à vontade, de uma hora para a outra percebem que perderam a liberdade, mas aí já é tarde demais. Pois assim é o processo de supressão das liberdades individuais, que vão sendo, como demonstra a História, suprimidas aos poucos, paulatina e ininterruptamente, até que os cidadãos se vejam reduzidos à condição de servidão ao Estado. Assim foi com os cidadãos da União Soviética e da Alemanha Oriental; assim ainda é com chineses, nortecoreanos, norte-vietnamitas e cubanos e, agora, venezuelanos; e assim será, em breve, com bolivianos, equatorianos e outros povos que se deixarem iludir pelo socialismo, em qualquer de suas manifestações.
Embora esses empresários que vivem bajulando Lula e fazendo doações para a campanha de sua candidata bem que mereçam isso; embora a mídia simpática ao PT também o mereça; embora certos artistas que vivem em mansões, mas adoram Fidel, também o mereçam; embora os bem intencionados, mas míopes, que se deixam iludir pelo processo também o mereçam; embora os ingênuos que acreditam no canto da sereia do “social” e da “igualdade” igualmente o mereçam, a verdade é que as pessoas que amam verdadeiramente a nossa terra, que desejam o melhor para ela e que possuem um mínimo de bom senso e de amor à sua liberdade, definitivamente, não o merecem.
Por isso, por mais que nossos corações e mentes não vejam Serra e seu intervencionismo econômico com bons olhos, temos que ser realistas: ruim com ele, pior com a senhora Rouseff! É duro, mas, voltando a Shakespeare, infelizmente, à falta de melhor opção, o candidato tucano, com todo o seu viés intervencionista, é o que nos resta para domar a megera…
Caro Ubiratan,
parabéns pelo excelente e mais do que oportuno artigo. Concordo plenamente como seu desfecho: ruim com ele, pior com ela…
Forte abraço,
Marco Túlio