Tenho procurado, neste espaço, misturar a abordagem das grandes questões nacionais com certa dedicação à reflexão local acerca do espaço geográfico em que vivem os cariocas. A um ano das próximas eleições municipais, este mês é uma ocasião propícia para colocar os olhos na nossa cidade.
Creio que vão se avolumando os sinais de que há boas iniciativas em curso na prefeitura, que marcam um divisor de águas em relação ao quadro de abandono a que anteriormente a grande maioria dos seus habitantes sentia que a cidade tinha sido relegada. Em particular, destaco as inovações que vêm sendo praticadas na área educacional, área muitas vezes tratada com descaso pelos governantes. De qualquer forma, por melhor que seja o balanço do que tem sido feito – e, na minha modesta opinião, ele é bastante positivo – o período eleitoral é a ocasião ideal para lançar novos desafios. Como ocorre em qualquer lugar – governo, empresa ou família – é sempre possível procurar avançar mais e estabelecer novas metas para alcançar.
Não há espaço para abordar muitos assuntos em detalhes, mas procurando sintetizar as questões em termos dos objetivos mais importantes a perseguir, destaco os seguintes pontos:
a preparação adequada para as Olimpíadas. O Rio concentrará as atenções globais em 2016 é não há um único cidadão que não aspire a que a cidade faça bonito na ocasião, apresentando ao mundo inteiro um lugar onde esperemos que o turista queira voltar e o telespectador de outros países queira vir;
a mudança da equação de transportes. Uma cidade não pode ser um lugar onde as pessoas percam 15 ou 20 horas da sua semana se deslocando na rua indo e voltando entre a sua residência e o trabalho. Essa é uma organização social absurda. Extensão do metrô, construção de algumas vias-chave – isso está em curso com as obras já iniciadas -, aumento da frequência de trens e racionalização da frota de ônibus são propostas promissoras nas quais se deve investir pesadamente;
o investimento em habitação. Este ponto não pode ser dissociado do anterior. Não adianta construir casas populares para que depois as pessoas demorem duas horas para chegar ao trabalho. Se o Brasil tiver uma década melhor que as três últimas, o avanço da construção civil é uma possibilidade concreta e programas como Minha Casa, Minha Vida devem ser intensificados, ainda que eventualmente com algumas adaptações e aprimoramentos naturais. Essa é uma área onde há espaço para a atuação das duas esferas de governo mais importantes neste caso: a federal – através dos programas da Caixa Econômica – e as prefeituras – uma vez que é nas cidades onde as pessoas moram;
a mitigação da degradação urbana. Sabemos que problemas profundos não se solucionam em quatro ou cinco anos, mas há como avançar. A decadência do Rio era visível e física, tanto na geografia humana como na urbana. A situação está mudando, mas, se queremos causar uma melhor impressão ao mundo, não podemos continuar a conviver com o achaque nos sinais. Isso é resultado da crise social, sim, mas o país está progredindo e o desemprego hoje é muito baixo. É preciso ter programas adequados para a reinserção social dessa garotada e é preciso sinalizar que a “abordagem no sinal” será combatida. A existência dessa prática é degradante tanto para quem aborda como para quem é abordado; e
o combate sem tréguas à ilegalidade. O Rio, com sua tolerância para com as pequenas transgressões, tinha virado o lugar do “ilegal, é daí?”. Isso começou a mudar nos últimos anos, mas ainda há muito a fazer em matéria de costumes. Desde bares barulhentos até grandes eventos mal planejados, que atentam contra os interesses dos moradores dos locais onde são realizados, passando pela existência de uma parte da frota de carros da cidade que não passa por qualquer vistoria há anos, ainda há diversas mazelas a serem enfrentadas para que esta seja uma cidade com hábitos mais civilizados.
Se Jacques Delors disse no passado, nos anos dourados da integração, que “a Europa é um estado de espírito”, temos que conseguir que o ato de viver no Rio também esteja associado a um estado da alma, juntando o resgate do “astral” dos anos 50 e 60 com a modernidade à qual a cidade aspira. Alcançar isso depende de todos nós.
Fonte: O Globo, 12/10/2011
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